A emboscada do povo de Gilead num enclave 'esquerdista' no Rio de Janeiro
Convidado para um culto na igreja Lagoinha em Niterói, candidato do campo democrático à prefeitura foi instado a assinar documento fundamentalista em meio a centenas de fiéis atiçados por um Valadão.
Ex-prefeito de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, o pedetista Rodrigo Neves tentará se eleger novamente para o cargo no próximo domingo, 6, por uma coligação de nada menos que 13 partidos políticos - do PT, onde Neves já militou, ao União Brasil, passando por MDB, PSDB e Republicanos. Ele lidera as pesquisas, mas tem em seu encalço o deputado federal Carlos Jordy, do PL, um bolsonarista "raiz” coligado com o PP.
Mais atrás nas pesquisas vem a também deputada federal Talíria Petroni, do Psol, da federação Psol/Rede. Na única cidade da região metropolitana do Rio onde Lula venceu Jair Bolsonaro em 2022, berço do Partido Comunista do Brasil, não sobrou ninguém do campo progressista - nem do regressista - para a única candidata realmente da esquerda à prefeitura fazer coligação em 2024.
Com boa vontade, vendo o sol amanhecer, a vida acontecer como um dia de domingo, talvez assim seja possível dizer que Rodrigo Neves é um candidato da esquerda à prefeitura da antiga capital do estado do Rio, mas é um candidato do campo democrático.
No último domingo, Rodrigo Neves foi com as próprias pernas participar de um culto na filial niteroiense da igreja Lagoinha, notório reduto de bolsonaristas chiques, baluarte do coaching neopentecostal, congregação de muitos que acreditam que Jesus de Nazaré morreu na cruz dos romanos para lhes dar um Honda Civic, apartamento na praia e ingresso para cruzeiro com Gusttavo Lima, com dois “Ts”.
Lá foi Rodrigo Neves, no último domingo, beijar a mão do pastor da Lagoinha em Niterói, Felippe Valadão, com dois “Ps”, que há poucos meses foi indiciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por intolerância religiosa, por ter berrado assim no palco de um evento oficial, mas gospel, em outra cidade da Região Metropolitana do Rio:
“De ontem pra hoje tinha quatro despachos aqui na frente do palco. Avisa aí pra esses endemoniados de Itaboraí: o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho. A igreja está na rua! A igreja está de pé! E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade!”.
Felippe Valadão é conhecido também por ter comemorado seu aniversário de 40 anos, em 2022, com uma festança em uma fazenda comprada com dízimos de fiéis. Foi ele também o pastor bolsonarista que no ano passado ficou em apuros em Israel, com um rebanho de 100 ovelhas, após os ataques do Hamas. Todos foram repatriados pelo governo Lula, num avião da FAB, mas depois o servo do Senhor disse no púlpito da Lagoinha em Niterói que Lula não teve “nada a ver” com o resgate da caravana, atribuindo a repatriação a um deputado do Centrão.
Na noite do último domingo, no mesmo púlpito, com Rodrigo Neves e Carlos Jordy de pé da nave da Lagoinha, Felippe Valadão chamou um advogado da igreja ao palco para ler uma “carta-compromisso com os valores cristãos”.
A carta dizia o seguinte:
“Eu, candidato a prefeito da cidade de Niterói, registro e assumo os compromissos abaixo discriminados, visando manter inviolados os princípios cristãos deixados por Jesus Cristo em sua Bíblia Sagrada: não adotar políticas públicas contrárias aos princípios cristãos, principalmente nas escolas públicas; não subverter, corromper, modificar os princípios bíblicos da família tradicional, isto é, homem com mulher e mulher com homem; não permitir, apoiar, incentivar, estimular a imposição de ideologia de gênero contrária à heterossexualidade e da orientação sexual que seja contrária ao sexo biológico, em qualquer órgão ou estrutura do poder público municipal, principalmente nas escolas públicas [a nave se agita, manifesta-se, apoia]; determinar que as escolas públicas não incentivem, ensinem ou estimulem a escolha do gênero com base em sentimentos; a identidade sexual ensinada na rede pública deve ser a do sexo biológico; ser contrário a qualquer projeto de lei, normas ou afins, emanadas por qualquer órgão do poder público municipal que autorize pessoas transexuais ou pessoas biologicamente do sexo oposto a escolher o banheiro que pretende utilizar de acordo com a sua percepção de gênero [a nave explode em gritos e aplausos, em transe]”.
Após a leitura, Valadão convidou os dois candidatos a assinarem a carta. Carlos Jordy pulou no palco e pediu uma caneta. A uma semana da eleição, Rodrigo Neves tinha caído numa emboscada. Pego de surpresa, ele pegou o papel e entregou para sua esposa, Fernanda Sixel. No dia seguinte, segunda-feira, um conhecido pasquim de Niterói informou seus leitores que Jordy tinha assinado um “compromisso com os cristãos”. E Neves? “Rodrigo Neves se esquivou”. O pasquim também pôs em tintas que Fernanda “foi vista de dedo em riste e aos gritos em direção a [sic] pastora Mariana, esposa de Felippe Valadão”.
Ainda no domingo, mais tarde, Rodrigo Neves publicou no Instagram um vídeo onde aparecem ele, Fernanda, Felippe e Mariana, em um encontro reservado. Disse o alvo da emboscada, dando a outra face ao emboscador: “ao final do culto, o pastor Felippe e a pastora Mariana nos receberam gentilmente em seu gabinete”.
E sacou do bolso, também ele, Rodrigo Neves, a sua carta-compromisso, uma “Carta ao Povo Evangélico”. Valadão pega a carta e começa a ler, com certa pressa, impaciência, com cara de leitor indiferente e de eleitor de Carlos Jordy, enquanto Neves, ao seu lado, faz cara de Diácono de Cristo.
“Participei na adolescência de grupos de estudos bíblicos; tive como conselheiros muitos pastores, que oraram por mim; sempre fui parceiro das igrejas da nossa cidade; na pandemia, criei o único programa do Brasil que ajudou centenas de igrejas, com pagamento de salário dos seus funcionários; comigo, a prefeitura vai apoiar todos os eventos cristãos e defender a família”.
É o que diz a “Carta ao Povo Evangélico” de Rodrigo Neves, a Epístola de Rodrigo Neves ao Povo de Deus Niteroiense, como se entre o fundamentalista raiz e o diácono Nutella, o povo de Gilead, ou melhor, o povo da Lagoinha fosse escolher o creme de avelã.
Acabou, a esquerda não mostrou os dentes, o presidente sozinho encurralado, se não elegermos deputados, vereadores e senadores, já era, a teocravia ta dominando tudo e todos, no MS tem adesivo "mãe, mulher, cristã, conservadora" os caras loteando pantanal e o estado todo plantando eucalípito, não sei quem vai usar tanta celulose, aeroportos, tabalho escravo, os fazendeiros de SP comprando todas as terras, o PL mandando no país...e a esquerda sendo boazinha e civilizada no meio dos bárbaros.