A escolinha do professor Brilhante Ustra
Deputado bolsonarista repetiu na Câmara, quase ipsis litteris, homenagem feita há quase 10 anos por Bolsonaro ao torturador de homens, mulheres e crianças na ditadura: "o terror de Dilma Rousseff"
Aconteceu de novo.
Quase uma década após Jair Bolsonaro homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra no plenário da Câmara dos Deputados, dedicando ao notório torturador de homens, mulheres e crianças na ditadura seu voto a favor da destituição de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, o deputado bolsonarista Delegado Caveira (PL-PA) repetiu o louvor a Ustra, a apologia ao crime de tortura dentro do plenário Ulysses Guimarães.
“Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, disse Jair Bolsonaro no microfone do plenário da Câmara no dia 17 de abril de 2016, na votação da abertura do processo de impeachment contra Dilma.
“O Papai Smurf [deputado Ivan Valente] aqui ao lado, do Psol, gosta de criticar quem elogia Carlos Brilhante Ustra. Nós vamos continuar defendendo quem protegeu o Brasil e quem é o terror dos esquerdopatas, o terror de Dilma Rousseff”, disse Delegado Caveira no último 26 de maio, no mesmo plenário, no mesmo microfone, durante a votação do projeto de lei para a criação do Dia Marielle Franco (Dia Nacional das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos).
Semanas antes de Delegado Caveira dizer o que disse, o deputado tinha exibido uma pistola e um fuzil dentro do seu gabinete na Câmara. Logo após Delegado Caveira dizer o que disse, o presidente da Câmara, Hugo Motta, não moveu um músculo da face, apenas passou a palavra ao próximo bolsonarista.
Veja:
Minutos depois da fala de Caveira, o deputado Helder Salomão (PT-ES) lembrou:
“Defender torturador e tortura a qualquer momento é crime. Defender tortura e torturador numa sessão em que se discute um projeto que cria o Dia Nacional das Defensoras e dos Defensores de Direitos Humanos é um crime dobrado e é uma afronta à Constituição brasileira, ao Congresso e ao povo brasileiro”.
Na época, quase cinco meses atrás, passou em brancas nuvens a repetição da homenagem a Ustra como “terror de Dilma Rousseff” no plenário da Câmara. O episódio foi mencionado pela primeira vez na imprensa horas atrás, nesta quarta-feira, 15, Dia do Professor e aniversário de 10 anos da morte do torturador; mencionado en passant em matéria sobre a segunda efeméride publicada na Folha de S.Paulo.
Em 2016, Jair Bolsonaro chegou a enfrentar processo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara pela homenagem a Ustra no plenário da Casa. O processo acabou arquivado. Agora, em sintoma — mais um — da banalização do mal, Delegado Caveira sequer foi acionado no Conselho de Ética.
No último 26 de maio, o plenário da Câmara aprovou o projeto de lei para instituição do 14 de março, dia do assassinato de Marielle Franco em 2018, como Dia Nacional das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. A aprovação aconteceu sob o novo episódio de apologia ao crime de tortura dentro da Câmara dos Deputados e sob protestos de deputados bolsonaristas contra a inclusão do nome de Marielle para batizar a data.
Aprovado na Câmara, o projeto chegou no último 2 de junho ao Senado, onde dormita portanto há mais de quatro meses, aguardando despacho de Davi Alcolumbre, num enésimo sintoma da banalização do mal.