A nuvem mais perigosa
GSI deve assinar acordo de cooperação técnica com a Amazon Web Services, de Jeff Bezos, após o órgão mudar regra a fim de permitir armazenamento de dados secretos do Brasil em nuvens privadas.
Em um dos comícios do movimento “No Kings”, que varreu os EUA no último sábado, 18, da costa leste à costa oeste, o senador Bernie Sanders disse assim a dezenas de milhares de estadunidenses reunidos em Washington contra Donald Trump e os bilionários trumpistas:
“Não se trata apenas da ganância de um homem, da corrupção de um homem ou do desprezo de um homem pela Constituição. Trata-se de um punhado das pessoas mais ricas do planeta, que, em sua ganância insaciável, sequestraram nossa economia e nosso sistema político para enriquecer às custas das famílias trabalhadoras de todo o país”.
Como exemplos de quem não respeita nada e acumula bilhões às custas de todos (não apenas nos EUA, mas no mundo inteiro), Sanders citou Mark Zuckerberg, “CEO” do Facebook; Elon Musk, da Tesla; e Jeff Bezos, o trumpista dono da Amazon — e da divisão de computação em nuvem da Amazon, a Amazon Web Services (AWS).
Se você não está ligando o nome à cloud, trata-se do serviço que “apresentou problemas” na manhã desta segunda-feira, 20, num “apagão na nuvem da Amazon” que deixou fora do ar o Paypal e o Snapchat, Zoom e Mercado Livre, Duolingo e Alexa, etc, etc, etc.
Na última quinta-feira, 16, o Intercept Brasil mostrou que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) está prestes a assinar um acordo de cooperação técnica com a AWS que pode resultar no armazenamento de dados sensíveis do governo brasileiro — “e dos brasileiros”, ressalta o Intercept — na nuvem mais perigosa nestes tempos de big-tecnofascismo: a nuvem de Bezos.
A matéria do Intercept Brasil informa que em setembro do ano passado o diretor de Segurança Nacional da AWS, Sean Roche, esteve no Brasil e se reuniu com o diretor de Segurança Cibernética do GSI, o brigadeiro intendente Luiz Fernando Moraes da Silva. Antes de ir para a Amazon, Sean Roche foi vice-diretor de inovação digital da CIA. Dias atrás, no início de outubro, o ministro-chefe do GSI, general Marcos Antonio Amaro dos Santos, publicou uma instrução normativa que autoriza a inovação de hospedar dados classificados em grau de sigilo reservado ou secreto em nuvens de empresas privadas, desde que em data centers localizados no Brasil.
“As decisões do GSI levantam alertas sobre a soberania e a segurança dos dados brasileiros, em especial os secretos, em um momento geopolítico delicado. Isso porque leis norte-americanas obrigam empresas de tecnologia dos Estados Unidos a fornecer dados armazenados em seus servidores mediante ordens judiciais — mesmo quando esses dados estão hospedados fora do país”, diz a repórter Laís Martins.
Em nota enviada ao Intercept Brasil, o GSI afirma que a instrução normativa “veda o tratamento de informações classificadas como ultrassecretas em nuvem”, abrindo caminho para armazenar neste ambiente, isto sim, e “com alto grau de segurança”, só as informações secretas e reservadas.
Ah, bom…
Se o GSI do general Amaro cometer de boa-fé tal cúmulo de antissoberania digital, se de fato resolver guardar informações secretas e reservadas do Brasil na cumulonimbus laranja de Jeff Bezos, na nuvem apontada a militares brasileiros por um ex-diretor da CIA, será como a frase de Woody Allen escolhida pelo pesquisador franco-italiano Giuliano Da Empoli para Os engenheiros do caos, seu livro sobre algoritmos e que tais:
“Os maus, sem dúvida, entenderam alguma coisa que os bons ignoram”.
Ótimos e importantes os teus textos, Hugo.