A pior ideia possível de uma suposta realpolitik
Sobre a possibilidade de o acordo para a sucessão na Câmara incluir a transigência do PT com uma eventual restauração dos direitos políticos de Jair Bolsonaro.
No início de outubro, após a agência de classificação de risco Moody’s subir a nota do Brasil e deixar o país a um passo do “selo de bom pagador”, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, empolgou-se a ponto de propor um “pacto social” pelo grau de investimento.
Em países subdesenvolvidos que acumularam vultosas reservas internacionais, como o Brasil, a corrida da cenoura pelo grau de investimento tem sido o sucessor dos empréstimos do FMI como instrumento de cabresto da política para garantir a aplicação à risca da agenda do capital financeiro transnacional.
De modo que a proposta de “pacto social” não por avanços sociais, mas pelo investment grade, parecia delírio de ex-encarregado das privatizações no governo Covas/Nunes em São Paulo traficado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para integrar governo progressista.
Na última segunda-feira, 28, porém, o insuspeito Aloisio Mercadante, o presidente do BNDES que não foi traficado de direita nenhuma, afirmou num convescote da Bloomberg em São Paulo que a “meta central” do governo Lula III deve ser mesmo o grau de investimento. Parece, então, que habemus consensum.
Na mesma conferência, Mercadante criticou os pessimistas sobre a economia brasileira e disse que o BNDES criará “uma linha de crédito para que eles possam comprar calmantes".
Mercadante estava brincando, claro, até porque não seria mesmo necessário. Nesta quarta-feira, 30, Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, vieram a público manifestar outro consenso, estreitamente ligado àquele pelo grau de investimento: o consenso pelo corte de gastos que será anunciado em novembro.
O motivo do dueto Haddad-Tebet foi “acalmar o mercado”, tal e qual - para “acalmar o mercado” - Gabriel Galípolo tem acompanhado Roberto Campos Neto em votações unânimes, consensuais, no Banco Central pela manutenção da Selic em níveis exosféricos.
Mas a concórdia pelo corte de gastos não foi a única desta quarta em Brasília. A outra foi a confirmação do médico fisiologista, desculpe, ginecologista Hugo Motta, do Republicanos, como nome de consenso do PT, PL de Jair Bolsonaro, MDB, etc, para suceder Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados, em ato contínuo ao anúncio do nome de Motta pelo cardeal Lira: habemus candidatum.
A respeito de mais este consenso, o UOL reportou a seguinte (obs)cena da realpolitik petista vista nesta quarta em Brasília: “o apoio do PL foi anunciado pelo líder do partido, deputado Altineu Cortes, em frente à sala da liderança do PT”.
Vem aí a boçalpolitik?
No início de setembro, o mesmo UOL dava conta de que a negociação do Palácio do Planalto com Lira para a sucessão na presidência da Câmara incluía dar a Lira um ministério em 2025.
De tão insólita, a possibilidade deste arranjo parecia, só podia ser especulação de jornalista. Mas logo depois surgiu o grão-petista João Paulo Cunha indicando que a bizarrice pode mesmo estar no prelo, dizendo ao Estadão que “o ideal é Lira assumir um ministério em 2025 porque temos de trazer o Centrão para mais perto”.
Agora, a Folha de S.Paulo menciona o que parece ser outra ideia de uma suposta realpolitik, a pior ideia possível, mas, segundo a Folha, em gestação: uma possível transigência do PT com uma eventual ofensiva no Congresso pela restauração dos direitos políticos de Jair Bolsonaro.
Em matéria intitulada “Lira tem aval de Bolsonaro e ala do PT ao incluir projeto da anistia em acordo por sucessão na Câmara”, publicada na última terça-feira, 29, a Folha diz que “setores da esquerda chegam a considerar que uma anistia a Bolsonaro poderia representar um cenário eleitoral mais benéfico a Lula em 2026, sob o argumento de que, apesar do grande apoio ao ex-presidente, a sua rejeição o impediria de vencer novamente uma disputa nacional”.
A se confirmar esse estuário de todos os consensos e concórdias com os fascistas e demais sabotadores do Brasil, esse grau de investimento na repetição dos erros mais crassos do passado recente, mesmo com genocídio e tentativa de golpe no meio tempo, o vale-tudo fantasiado de pragmatismo político mudará de patamar e terá que mudar de nome também, para boçalpolitik.