A tentativa de fabricação de uma ‘Vaza Xande’
“Chats privados revelam colaboração proibida de Sergio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato”.
Esse foi o título da primeira reportagem da Vaza Jato, assinada por Glenn Greenwald, Rafael Moro Martins e Alexandre de Santi e publicada no dia 9 de junho de 2019. Logo no primeiro parágrafo a reportagem não deixava pedra sobre pedra, elencando a série de ilegalidades que compuseram a conspiração curitibana para tirar Lula das eleições de 2018:
“Em diversas conversas privadas, até agora inéditas, Moro sugeriu ao procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação, antecipou ao menos uma decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público e deu broncas em Dallagnol como se ele fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal”.
Nesta terça-feira, 13, cinco anos depois, Greenwald e Fabio Serapião assinaram aquela que, ao que tudo indica, pretende ser a primeira reportagem de uma pretensa “Vaza Xande”, com o título: “Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas no Supremo, revelam mensagens”.
Se a primeira reportagem da Vaza Jato informava claramente, logo no título, uma “colaboração proibida” entre Moro e Dallagnol para interferir no destino político do país, a primeira reportagem da “Vaza Xande” precisou cunhar uma expressão, “fluxo fora do rito”, para, como disse Letícia Sallorenzo, causar “impressão/sensação de que há algo errado” na colaboração (por acaso proibida?) entre o gabinete do ministro do Supremo responsável pelo inquérito das fake news e o setor de combate às fake news do TSE para reunir fake news postadas por “influencers” nas redes sociais.
Como observou Sylvia Moretzsohn, “mesma metodologia [da Vaza Jato], mesma estética, mesmo jornalista ‘investigador’ paladino da justiça etc. Embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra, embora a manchete em papel sobre o uso do TSE ‘fora do rito’ não tenha nenhuma semelhança com procuradores combinando com um juiz as táticas da operação, com chantagens para a obtenção de delações premiadas e assim por diante”.
Em seu início, a Vaza Jato falava em “um extenso lote de arquivos secretos” revelando como “os procuradores da Lava Jato, que passaram anos insistindo que são apolíticos, tramaram para impedir que o Partido dos Trabalhadores, o PT, ganhasse a eleição presidencial de 2018”.
Agora, para tentar emplacar uma “Vaza Xande”, Greenwald e a Folha de S.Paulo falam em “mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes”.
“Com quantos gigabytes/Se faz uma jangada e um barco que veleje/Que veleje nesse info-mar/Que aproveite a vazante da info-maré”, diz a música “Pela Internet”, de Gilberto Gil, lançada em 1996.
Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje, que aproveite a vazante da info-maré à qual Glenn Greenwald se atirou após a Vaza Jato: a da extrema direita e suas mentiras e fatos entortados?
Nos últimos anos, Glenn Greenwald virou habitué da Fox News, nomeadamente do programa de Tucker Carlson, o “jornalista” trumpista-bolsonarista especializado em espalhar fake news sobre fraudes eleitorais; entrincheirou-$e no Rumble, plataforma de vídeo tida como “ponto de encontro da extrema-direita”; recebeu em seu canal no Ramble um “podcaster” brasileiro, Monark, que acha que falta um partido nazista no Brasil; abriu o microfone para Monark reclamar da “ditadura da toga” no Brasil e depois agradecer a Greenwald por “always helping me in this process”; reclamou, ele próprio, Glenn, de “censura” a Kanye West, rapper simpatizante do nazismo; pôs-se a fazer vídeos apontando “as mentiras duradouras da mídia” sobre a invasão do Capitólio; aliou-se a Monark e aderiu à estética da extrema-direita, por falar em estética, para cacarejar em inglês o “despotism in Brazil”.
Como disse Alceu Castilho, com quantos gigabytes se encobre a causa a que se está servindo?
Na vazante do jornalista consagrado que deslizou tão à vontade do liberalismo radical para as bandas mais cavernosas da extrema-direita cascateira, parlamentares bolsonaristas já falam em impeachment de Alexandre de Moraes, o que daria à expressão “Vaza Xande” um duplo sentido.
Palas Atenas levantou a bola de que a tentativa de fabricação de uma “Vaza Xande” tenha como resultado, embora não tenha como motivação, um acordo entre o Congresso e o Supremo para a manutenção das emendas Pix, no que seria mais um acordo de gabinetes da Praça dos Três Poderes, entre tantos, não oficiais, diários, que definem este país e que são noticiados pelas folhas nacionais como coisas da vida, meros “bastidores” da política, nunca como, sei lá, “fluxo fora do rito”.