As aventuras de Ciro Nogueira, dos chairmen e da chairwoman contra o 'excesso de assistência social'
Vazou áudio do senador Ciro Nogueira prestando contas a “investidores” sobre a quantas anda, no cenário atual, o esforço de sempre das classes possuidoras: minar a Democracia.
Sabe aqueles quadros de cortiça de filmes policiais, aqueles onde detetives - ou jornalistas - fixam imagens com tachinhas e as ligam com barbantes, concatenando-as a fim de visualizarem o todo do enigma; a fim de ficarem ali olhando, olhando, até que de repente têm um estalo e matam a charada sobre a Orcrim?
Nesta semana, o ICL Notícias divulgou um áudio do senador Ciro Nogueira prestando contas a “investidores” sobre a quantas anda a parte que lhe cabe dos esforços multissetoriais, digamos assim, para arruinar o governo Lula e erradicar aquilo que o presidente do Progressistas, no conciliábulo com a “Faria Lima”, chamou de “excesso de assistência social no país”.
O conciliábulo aconteceu no auditório do BTG Pactual no dia 31 de março, data alvissareira para conspirações. A realização foi da Legend Invest, subsidiária da Legend Capital, a “boutique de investimentos plugada ao BTG Pactual” da qual Paulo Guedes se tornou sócio e chairman - presidente do conselho de administração - após ser ministro “da Economia” de Jair Bolsonaro.
A chairwoman da Legend Invest, Daniella Marques, é uma longeva escudeira de Guedes. Foi ele quem a levou para o ministério “da Economia”, onde Marques ocupou várias cargos de relevo antes de ser alçada por Bolsonaro à presidência da Caixa. Na Caixa, a “cumpridora das missões dadas por Guedes e Bolsonaro” foi a responsável pela antecipação do calendário do Auxílio Brasil e do consignado para o Auxílio Brasil, lançados entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2022 para dar um tranco na candidatura de Bolsonaro à reeleição.
No áudio divulgado pelo ICL Notícias, ouve-se uma interlocutora de Ciro Nogueira com ganas de privatizações. É Daniella Marques.
Foi, aliás, em outro evento recente do “universo BTG Pactual” que outro chairman de outra grande gestora de investimentos disse o seguinte sobre as eleições de 2026 a outra plateia de investidores, quem sabe a mesma: “a gente larga de 25%, 30% de voto na esquerda, se [Lula] não morrer”.
“E eu espero que não morra. Eu não desejo a morte de ninguém. Desejei a do Brizola, foi a única pessoa na minha vida que eu desejei. Aquilo realmente destruiu o Rio de Janeiro. Esse eu realmente falei: não é possível que esse cara não morra… E não morria…”, completou Rogério Xavier, chairman da SPX Capital, arrancando gargalhadas da plateia acanalhada e de André Esteves, chairman do BTG Pactual.
Nada que afetasse os negócios. Pelo contrário: após o episódio, o J.P. Morgan elevou a recomendação de compra para as ações do BTG Pactual, para overweight. O J.P. Morgan é o banco estadunidense que no início de março classificou a “aproximação” das eleições de 2026 (ainda que faltasse um ano e meio para as eleições) como um “fator de atratividade” para o rentismo. Por quê? Por causa da “possibilidade de mudança de regime” no Brasil.
O J.P. Morgan, que prega abertamente “mudança de regime” no Brasil, tem sede no número 210 da Park Avenue, em Nova York, mas está aqui também, no número 3.729 da Faria Lima, na Febraban e com seus 46% de participação no C6 Bank, banco digital com sede nos Jardins, em São Paulo, que acaba de dar lucro pela primeira vez desde a sua fundação e, segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, acaba de dar um calote de R$ 45 milhões na participação nos lucros acertada com seus funcionários em convenção coletiva.
O C6 Bank foi criado em 2018 por egressos de um certo banco de investimento, o maior da América Latina, fundado por um certo Chicago boy.
Pois o BTG Pactual e a Chicago Board Options Exchange, ou seja, a Bolsa de Valores de Chicago, são dois dos três sócios da CSD BR, a registradora que acaba de lançar no mercado um novo índice financeiro, o Easy BZ 15, que chega, segundo a imprensa especializada, para concorrer com o índice Ibovespa; que chega como “alternativa aos investidores da B3”.
Pois o terceiro sócio da CSD BR é a Santander Corretora, subsidiária do banco espanhol que andou assoprando nos ouvidos de “investidores” que, caso se vislumbre uma “virada na política” brasileira para “uma administração mais pró-negócios”, o índice Ibovespa poderia subir 45% até o final de 2025
De novo: ainda que a eleição no Brasil seja só em 2026.
Ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro quando da conspiração golpista de 2022, Ciro Nogueira visitou Bolsonaro no Palácio da Alvorada 13 vezes no período de urdidura de minuta de golpe, assassinato de Lula, sequestro de Alexandre de Moraes, etc. Nogueira foi mais vezes ao Alvorada após as eleições de 2022 do que, por exemplo, o general Augusto Heleno, hoje réu, como Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado.
No dia 27 de novembro de 2022, com os acampamentos golpistas de pé, com o golpe comendo solto entre o Palácio da Alvorada e o apartamento de outro réu - o general Braga Netto -, o ileso interlocutor da “Faria Lima” publicou uma mensagem “misteriosa” no Twitter.
“Não digam que não avisei. Não foi por falta de alerta. O tempo não para: tic tac tic tac tic tac tic tac…”, foi o que postou Ciro Nogueira na ocasião.
Tudo bem que esse país precisa mesmo é de uma grande revolução, mas um estalo sobre o “mercado” - um estalo, sabe, diante do quadro - já cairia muito bem.