As medidas contra a inflação dos alimentos, essa imprensa e o modelo dos barões
Imprensa corporativa aborda medidas do governo contra a carestia no modo "Folha do Agro" e até traz de volta a pauta-Pix, para deleite de Nikolas Ferreira.

Tudo bem que Geraldo Alckmin anunciando as medidas do governo para baratear os alimentos parecia até o professor de economia da célebre cena do filme Ferrys Buller’s Day Off, o clássico da Sessão da Tarde distribuído no Brasil como “Curtindo a vida adoidado”.
Na cena, o professor não empolga, longe disso, quando tenta explicar a jovenzinhos da High School como o Smoot-Hawley Tariff Act, lei estadunidense de 1930, aprofundou a Grande Depressão. A cena, na verdade, é um bocado autorreferencial: quem interpreta o professor picolé de chuchu é o comentarista político Ben Stein, famoso por escrever discursos de Richard Nixon e de outro Geraldo, o Ford, e por sua oratória de fazer dormir até babar.
O Smoot-Hawley Tariff Act foi uma lei para aumentar os impostos sobre os produtos importados pelos EUA. Nesta quinta-feira, 6, Geraldo Alckmin anunciou o exato contrário. Mas Alckmin não parecia estar curtindo o anúncio adoidado, por assim dizer, especialmente quando informou a redução de 14,4% para zero do imposto sobre a importação de “massas alimentícias”.
“Tucanaram o macarrão”, diria José Simão, caso Alckmin ainda fosse do PSDB e caso o PSDB ainda fosse aquele partido cheio de pipipis e popopos para rebuçar o neoliberalismo, em vez daquele que enfiou o pé na jaca do golpismo e que hoje - o que restou do tucanato - especula com o fascismo.
Tudo bem, dizíamos, que Geraldo Alckmin não é exatamente a mais magnética das criaturas na hora de anunciar tarifa zero para importação de açúcar, café e biscoito, mas os veículos da imprensa corporativa, da imprensa oligárquica do Brasil, vêm tratando as necessárias medidas do governo contra a carestia como se fossem filiados à Confederação Nacional da Agricultura ou à Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados.
A Folha de S.Paulo, por exemplo, chegou a manter no ar durante várias horas, nesta quinta-feira, 6, em seu site, a manchete: “Para driblar inflação, governo zera alíquota de importação para carne, café, azeite e açúcar”.
No Facebook, Maurício Caleiro não perdoou: “não é preciso ser nenhum expert em análise do discurso para ter a atenção chamada para o verbo escolhido para designar as medidas governamentais: ‘driblar’, cuja principal acepção no dicionário é ‘ludibriar, enganar o adversário com fintas corporais’”.
Nesta sexta-feira, 7, uma das matérias em destaque no site da Folha é esta, com este título e subtítulo aparentemente demolidores: “Medida para baratear alimentos é inócua e mostra que governo não entende do assunto, dizem associações”; “para produtores de milho e café, não existem fornecedores internacionais com preço competitivo em relação ao brasileiro”.
Só no terceiro parágrafo ficamos sabendo que a própria apuração do repórter Pedro S. Teixeira desmentiu as declarações do principal entrevistado para a matéria, o presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), Paulo Bertolini:
“De acordo com Bertolini, não há fornecedores vendendo milho a um preço competitivo frente ao valor do produto brasileiro. Porém, o valor do cereal negociado na Bolsa de Chicago está em US$ 10,61 (R$ 60,99) por saca (sem contar gastos com transporte e estocagem), contra um preço de R$ 86,68 registrado no pregão da B3 para a mesma quantia”.
Mesmo assim, as declarações do barão do milho foram usadas pelo jornal para “sustentar” o título e o subtítulo hostis às medidas do governo. Não bastasse, Paulo Bertolini aparece ainda em uma terceira matéria da Folha antipática às medidas para baratear os alimentos, agora cobrando ajuda do governo para construir silos de milho dentro das fazendas, dos latifúndios.
Além de tudo isso, a Folha preferiu destacar na capa desta sexta da sua edição impressa não as medidas contra a inflação dos alimentos anunciadas pelo vice-presidente da República, mesmo que fosse para enxovalhá-las, mas sim trazer de volta à baila a pauta-Pix, alçando a manchete um despacho burocrático do Banco Central para bloquear chaves Pix vinculadas a CPFs em situação, por exemplo, de “titular falecido”…
Em termos de estardalhaço, a Folha só perdeu para o Estado de Minas:
O mineiro Nikolas Ferreira já esfrega as mãos:
De modo que baixou na Barão de Limeira o espírito de Cândido José Rodrigues Torres, o barão de Itambi. Bisavô do fundador do Grupo Folha, Octávio Frias de Oliveira, o barão fez riqueza transportando açúcar e café pelo Rio Macacu e pela Estrada de Ferro do Cantagalo, no Rio de Janeiro, no Segundo Reinado, nos tempos da escravidão.
Enquanto isso, em nenhuma folha ou tribuna da imprensa corporativa, oligárquica, e tampouco nos palácios de Brasília, trava-se à vera o debate central sobre os preços dos alimentos, sobre a segurança alimentar no Brasil: a perpetuação do grande latifúndio monocultor voltado para a exportação, ou seja, a permanência até hoje do modelo dos barões, que hoje, após rebranding, atende pelo nome de “agronegócio”.
Braba
Agricultura Familiar. mostra sua cara !!!