Na tarde da última sexta-feira, 31, Alexandre Padilha deu uma longa entrevista a jornalistas da GloboNews. Tentando falar a língua das massas, o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais deve ter batido o recorde mundial de metáforas futebolísticas em 20 minutos de conversa.
Reforma ministerial?
“Nós estamos naquele momento igual a um time de futebol quando terminou um primeiro tempo difícil. É aquele momento que o time vai para o vestiário e o técnico está com os titulares, reservas, puxando o pessoal da base, olhando a janela de transferência”.
E a entrevista de Arthur Lira publicada no jornal O Globo, dando pitacos na reforma ministerial?
“A torcida e os comentaristas têm comentários e avaliações. Todos os comentários são válidos, mas o técnico é muito experiente e é quem vai definir como o time volta para o segundo tempo”.
E o papel dele, Padilha, no governo?
“Eu sou ali da defesa, que limpa a jogada e manda para os atacantes fazerem os gols”.
Os ministros devem estar comprometidos com a reeleição de Lula em 2026?
“É fundamental que todos no time estejam defendendo e atacando até o final do segundo tempo”.
E Gilberto Kassab dizendo que não será fácil para Lula em 2026?
“Poxa, estão querendo discutir se o Corinthians é favorito ou não no campeonato de 2026?”.
Tem ministro que briga com todo mundo dentro do governo?
“Toda seleção campeã tem seus Pelés, seus Dungas, seus Romários. Toda seleção campeã é formada por jogadores com características diferentes que contribuem fortemente para a vitória”.
Porque a popularidade de Lula está em baixa? Aqui, pausa para uma metáfora cinéfila:
“Pesquisa é fotografia que não atrapalha o filme. No filme você tem momentos de maior tensão, menor tensão. Tem momentos ali em que o mocinho está numa situação mais difícil. Outro dia está numa situação melhor”.
E as cobranças do próprio presidente Lula aos ministros por mais entregas à população?
“Nesse momento ele está ali no vestiário analisando tudo para ver como o time pode jogar melhor no segundo tempo”.
Gleisi Hoffmann será ministra?
“É como eu falei: ele chamou todo o time para o vestiário. Está olhando a base, os reservas, está olhando se pode contratar”.
E as críticas ao ministro da Casa Civil, Rui Costa?
“O Rui Costa é o Dunga, como eu sou o Marcio Santos. Defende, mas de vez em quando faz gol, sabe fazer um lançamento”.
Discorda das críticas a Rui Costa?
“Seleção que só tem atacante não dá certo”.
No dia seguinte, sábado, 1º de fevereiro, Alexandre Padilha e outros ministros e parlamentares governistas apareceram no Congresso Nacional, para a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, usando um boné anti-Trump, anti-Tarcísio, azul, com os dizeres: “O Brasil é dos brasileiros”.
Com o boné na cabeça e um adesivo de Hugo Motta colado no paletó, Padilha disse que a jogada do boné foi ideia dele, a partir da sugestão de um cidadão, e explicou o motivo de o boné ser azul, já que o amarelo é o golpismo e o vermelho, na guerra dos bonés, é a cor do inimigo: “eu sou corintiano e não boto verde nunca!”.
Sobrou, numa coincidência, a cor do Partido Democrata dos Estados Unidos da América.
A ideia do boné foi de Padilha, mas a frase “O Brasil é dos brasileiros” é da lavra do novo chefe da Secom, o marqueteiro Sidônio Verdão, digo, Palmeiras, ou melhor, Palmeira.
Nas redes sociais, apoiadores do governo mais triunfalistas vêm afirmando que “um simples boné conseguiu colapsar a direita brasileira”. Outros, mais pessimistas da razão, entendem que a frase de Sidônio especula com a xenofobia, em vez de confrontar à vera o falso patriotismo dos brasileiros que usam o acessório da indumentária MAGA que serviu de “inspiração” para o boné do “lado de cá”.
Não é o caso de problematizar o boné de Padilha/Palmeira como o bacharel Conrado Seabra problematizou o chapéu feioso que usava para cima e para baixo, para agonia da sua esposa Mariana, no conto “Capítulo dos chapéus”, de Machado de Assis:
“A escolha do chapéu não é uma ação indiferente; é regida por um princípio metafísico: o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab eterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. É uma questão profunda que ainda não ocorreu a ninguém”.
Mas é um novo capítulo da discussão sobre a pertinência e a eficácia de o campo popular e democrático tentar imitar a extrema-direita, suas jogadas, a título de partir para cima dela (ou, talvez seja mais apropriado dizer, ao invés de partir para cima dela).
É um novo capítulo da discussão sobre o “lado de cá” copiar a extrema-direita, seus símbolos de diálogo com as massas, ainda que trocando o sinal, sem risco de trazer de contrabando, mutilando-se, os piores pensamentos que podem existir numa cabeça, sob um chapéu.
Neste mês, no dia 26 de fevereiro, completam-se 30 anos de uma célebre entrevista de Eduardo Galeano à Folha de S.Paulo sobre uma paixão do saudoso uruguaio, além daquela de indicar com precisão, sem vacilação, os traços do rosto do inimigo dos suis do mundo. Uma entrevista sobre futebol. Na entrevista, quando perguntado se torcia por algum clube no Brasil e sobre qual era seu clube do coração no Uruguai, Galeano respondeu:
“Anos atrás, eu torcia pelo Nacional de Montevidéu. Era fanático. Tenho até um problema nos dentes por causa de briga de torcida. Mas agora sou um mendigo do bom futebol”.
Como assim?
“Vou com o chapéu na mão, implorando: ‘me dá uma boa jogada pelo amor de Deus!’”.