'E reinou de novo a calma'
"De repente, um grito agudo cruzou o ar. A menina gritava enquanto fugia correndo. Ela então caiu na areia antes mesmo que fosse ouvido o estalo de um tiro que se alojou no lado direito de sua cabeça"
Come Ananás reproduz abaixo um trecho do romance Detalhe menor, da escritora palestina Adania Shibli.
O sargento e o motorista ficaram parados, ao lado do veículo, esperando o oficial, que conduzia a menina à frente, caminhando em direção a eles e seguida pelo cão, ao passo que o guarda corria na direção do grupo de outro lugar, com uma pá na mão.
Enquanto isso, alguns soldados se levantaram de onde estavam sentados, à sombra das barracas, e seguiram observando o que acontecia. A quietude, sobre a qual o calor do sol pesava enquanto ele seguia seu curso subindo pelo céu, e que reinava no acampamento, foi quebrada pelo grito de um dos soldados, que, com voz alta e dirigida aos que estavam perto do veículo prestes a sair, pediu que lhe devolvessem seu calção, emprestado à menina.
O veículo foi posto em movimento e o cão correu atrás dele, tentando em vão alcançá-lo; seus latidos inicialmente sobrepujaram o barulho do motor, que enfim se distanciou até sumir por completo entre as dunas.
Não haviam se afastado muito do acampamento quando o oficial ordenou que o motorista parasse, argumentando que não tinham muito combustível. O motor emudeceu; ele desceu primeiro, e depois os outros. Ele ordenou ao soldado de guarda que cavasse uma vala de dois metros por um, naquele “ponto”, apontando para uma área na areia que não diferia das outras. Foram apenas alguns minutos para que a lâmina da pá começasse a atravessar aquele “ponto”, tentando retirar do seu bojo o máximo que pudesse de areia, que depois era atirada o mais longe que o braço do soldado e o cabo da pá conseguiam alcançar.
A escavação seguia em silêncio quase absoluto, exceto pelo barulho da pá, retirando a areia e livrando-se dela, e de algumas vozes emitidas pelos soldados no acampamento, que chegavam por trás das colinas, em forma de murmúrios, ao perderem a intensidade pela distância. De repente, um grito agudo cruzou o ar. A menina gritava enquanto fugia correndo. Ela então caiu na areia antes mesmo que fosse ouvido o estalo de um tiro que se alojou no lado direito de sua cabeça. O silêncio ressoou no espaço. E reinou de novo a calma.
O sangue que jorrava pela cabeça da menina era sugado sem dificuldade pela areia, enquanto o sol lançava seus raios sobre suas nádegas nuas, da cor da areia.
Ele deixou o soldado trabalhando na cova, observado pelo sargento e pelo motorista, e voltou ao veículo. Estava tremendo quando o motorista foi até ele para dizer que talvez ela não tivesse morrido e que não deveriam deixá-la assim, o melhor era que se certificassem de sua morte. Ele continuava tremendo, paralisado por algo que parecia uma dilaceração em seu intestino, mas conseguiu mover os lábios, passando uma ordem ao motorista para que seu sargento se certificasse disso. Logo depois, seis tiros soaram, e então a calma novamente. Era a manhã de 13 de agosto de 1949.