Eleições 2024: olha quem venceu de lavada na antiga 'Manchester fluminense'
Segundo maior colégio eleitoral do estado do Rio reelegeu em primeiro turno, com 85% dos votos, um ex-PM apontado em 2008 no relatório da CPI das Milícias como um dos chefes da máfia local.
Com quase um milhão de habitantes, o município de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, é o segundo mais populoso do estado do Rio, atrás apenas da capital, e está entre os 20 mais populosos do Brasil.
São Gonçalo cresceu desse jeito como cidade dormitório de duras condições de vida para as classes populares, sob o signo da falta crônica de serviços públicos, violência policial, tráfico de drogas, multiplicação dos charlatanismos neopentecostais e com uma grande massa de trabalhadores levando duas, três horas para ir e o mesmo tempo para voltar da metrópole.
Todo dia é a mesma coisa, seja de barca pela baía de Guanabara ou de ônibus pela ponte Rio-Niterói, fora baldeações e eternamente à espera da prometida, mas nunca cumprida, linha 3 do metrô, que ligaria Rio, Niterói e São Gonçalo.
Do bairro mais populoso da cidade, Jardim Catarina, por exemplo, até a região central do Rio, o trabalhador não leva menos que duas horas para percorrer uma distância de 35 quilômetros na hora do rush.
O loteamento que deu origem ao bairro foi, na época, no anos 1950, o maior da América Latina. O ponto de venda de terrenos ficava na rua México, Centro do Rio, porque o público-alvo eram os operários do boom da industrialização carioca de meados de século passado.
O prospecto do loteamento prometia ao operário que morasse no Jardim Catarina chegar em 15 minutos à antiga Estação da Cantareira, em Niterói, a fim de pegar a barca para o Rio. Hoje, de transporte público, o trajeto de Jardim Catarina até a atual estação das barcas em Niterói não “sai” por menos de 40 minutos.
Dezesseis anos atrás, em 2008, Jardim Catarina foi uma das duas áreas de São Gonçalo, antiga “Manchester fluminense”, identificadas como áreas de milícia no relatório final da CPI das Milícias da Alerj.
Segundo o relatório, um grupo de policiais civis e militares cobrava R$ 30 por mês, por casa, pela “segurança” de moradores do bairro; R$ 100 por mês para estabelecimentos comerciais; e até R$ 115 por semana para motoristas de transporte alternativo. A TV a cabo custava R$ 60 a instalação e R$ 30 a “assinatura”. Além disso, o grupo controlava as máquinas de caça-níquel da região.
Um dos líderes da milícia de Jardim Catarina apontados no relatório final da CPI das Milícias era o ex-policial militar Nelson Ruas dos Santos - o “Capitão Nelson”, dizia o relatório -, antigo chefe da P2 do 7º Batalhão da PMRJ em São Gonçalo. Ele nunca chegou a ser indiciado.
Neste domingo, 6, Nelson Ruas dos Santos foi eleito prefeito de São Gonçalo, pelo PL de Jair Bolsonaro e aparecendo na urna com o apelido que o consagrou, por assim dizer: “Capitão Nélson”.
Na verdade, Capitão Nélson foi reeleito. Em 2020, o médico sanitarista Dimas Gadelha, do PT, foi para o segundo turno como franco favorito contra o ex-PM, com 10 pontos percentuais de dianteira. Contabilizados os votos do segundo turno, porém, Nélson levou a prefeitura. Sua vantagem sobre Gadelha foi de menos de 1% dos votos válidos.
Em São Gonçalo, até os ramos de café e de cana-de-açúcar estampados no brasão municipal sabem que o fator decisivo para a inesperada virada de Capitão Nélson naquela eleição foi um vídeo de apoio ao ex-PM gravado às vésperas do segundo turno por Bolsonaro, num raríssimo caso de Bolsonaro dando a cara, pedindo votos para um candidato a prefeito nas eleições de 2020.
No vídeo, Bolsonaro dizia: “O outro lado é o PT, vocês sabem”.
Neste domingo, Capitão Nélson foi reeleito em São Gonçalo no primeiro turno com 84,49% dos votos válidos, sufragado por nada menos que 387.914 gonçalenses. Dimas Gadelha concorreu de novo e dessa vez amealhou os votos de nada mais que 48.457 eleitores.
Das 27 cadeiras da Câmara Municipal de São Gonçalo, o PL de Capitão Nélson e Jair Bolsonaro abocanhou sete - será, de longe, a maior bancada. Num dos maiores colégios eleitorais do país, o PT elegeu um vereador. O PCdoB, um também. O Psol, nenhum.
No 3° Distrito de São Gonçalo, onde fica Jardim Catarina, um ex-chefe da máfia local, conforme a CPI das Milícias, conquistou 94,15% dos votos para governar a cidade toda, de novo, agora até 2028.
Na boa, a população quer isso, então dê isso. Cansei, deixa se f...