'Etapa 8': por que Forças Armadas queriam esticar suspeita de fraude eleitoral até janeiro de 2023?
Até quatro dias depois da posse e três dias antes do ataque à Praça dos Três Poderes - o 8/1. Mas isso, como as Forças Armadas poderiam saber, não é mesmo?
Está na página 34 da decisão de Alexandre de Moraes que autorizou a Operação Contragolpe, desencadeada nesta terça-feira, 19, pela Polícia Federal. Está lá um resumo da ópera, da investigação da PF:
“Trata-se de um planejamento estratégico que tinha como objetivo final um golpe de Estado, visando anular o pleito presidencial de 2022, com fundamento na falsa narrativa disseminada pela organização criminosa de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação, com o objetivo de manter o então presidente da República, Jair Bolsonaro, no poder”.
“Quem queria golpe eram alguns CPFs de um CNPJ”, costuma dizer José Múcio Monteiro et caserna, desculpe, et caterva, inclusive alguns ventríloquos do Forte Apache na mídia dita de referência.
A pretensa lacração de Múcio e assemelhados quer dizer que a tentativa de golpe de Estado de 2022/2023 teria sido coisa isolada de um punhado de fardados, não das Forças Armadas enquanto instituições, ou seja, com seus papéis timbrados, Estados-maiores, cadeias de comando e planejamento estratégico militar.
Pois bem.
No dia 30 de setembro de 2022, antevéspera do primeiro turno das eleições daquele ano, o Ministério da Defesa anexou um documento à resposta da pasta a um pedido de esclarecimento feito pelo Tribunal de Contas da União sobre como exatamente os militares fariam a alardeada “apuração paralela” das urnas eletrônicas.
O documento, intitulado “Plano de Trabalho da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação (EFASEV)”, tinha os timbres do Ministério da Defesa e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e continha um planejamento, aprovado pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, para prolongar até o dia 5 de janeiro de 2023 a “verificação pós-pleito em busca de anomalias nos dados fornecidos pela Justiça Eleitoral”.
A etapa 8 do plano, “a ser executada mediante consulta às Forças”, significava, em outras palavras, esticar até quatro dias depois da posse do presidente eleito um clima de suspeita de fraude eleitoral. Até quatro dias depois da posse e três dias antes do ataque à Praça dos Três Poderes - o 8/1. Mas isso, como as Forças Armadas poderiam saber, não é mesmo?
No dia 19 de outubro de 2022, após Alexandre de Moraes determinar que o Ministério da Defesa entregasse de uma vez o relatório sobre a “apuração paralela” feita pelas Forças Armadas no primeiro turno, a Defesa respondeu assim:
"Ao término do processo [eleitoral] será elaborado um relatório contemplando toda a extensão da atuação das Forças Armadas como entidades fiscalizadoras, com os documentos atinentes às atividades em comento. Tal relatório será encaminhado ao TSE em até 30 dias após o encerramento da etapa 8 do Plano de Trabalho".
Naquela altura, a etapa 8, "a ser executada mediante consulta às Forças", pelo visto já tinha sido aprovada.
A EFASEV era composta por nove militares, três de cada Força: três CPFs indicados pelo CNPJ 00.394.452/0533-04 (Comando do Exército); três CPFs indicados pelo CNPJ 00.394.502/0001-44 (Comando da Marinha); e três CPFs indicados pelo CNPJ 00.394.429/0001-00 (Comando da Aeronáutica).
O chefe da Efasev, coronel do Exército Marcelo Nogueira de Sousa, chegou a dizer no Senado da República, no dia 14 de julho de 2022, que “é possível que um código malicioso tenha sido inserido na urna e fique lá latente esperando algum tipo de acionamento".
Na verdade, parece que era outra coisa que tinha que ficar latente, à espera de acionamento.
Repetindo:
Por que o CPNJ 00.894.356/0001-1, do Estado Maior das Forças Armadas, deixou em aberto, mediante consulta às Forças, a possibilidade de estender a "fiscalização" das urnas eletrônicas para além da participação dos militares no teste de autenticidade das urnas (etapa 6 do plano) e da “validação da base de dados da totalização” (a “apuração paralela”, etapa 7)?
Por que as cúpulas militares queriam esticar até o início de 2023 o que a Polícia Federal chama agora, na Operação Contragolpe, de “narrativa disseminada pela organização criminosa de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”? Na época, a pergunta era: por que isso, se o resultado eleitoral já estaria proclamado há tempos e o vencedor das eleições, em tese, trabalhando no Palácio do Planalto?
Em tese: na época, não sabíamos de rascunho de estado de sítio, de minuta de estado de defesa no TSE, muito menos de “Punhal Verde e Amarelo”.
O plano "Punhal Verde Amarelo" está ofuscando outro, a "Operação Pacificação Nacional", também revelada na operação desta terça da PF. Pudera: o "Punhal" era um plano de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Mas a "Pacificação" era uma operação - um golpe - de longo prazo, estendendo-se de dezembro de 2021 até agosto de 2023, tendo como pedra angular os ataques às urnas eletrônicas.
A “Operação Pacificação Nacional” - que aliás soa como o nome fantasia da sanguinária ditadura argentina, “Processo de Reorganização Nacional” - dividia-se em cinco fases. A fase de “normalização” - do golpe - começaria justamente em janeiro de 2023, ou seja, após a EFASEV concluir o seu trabalho, e na sequencia da fase “manutenção da lei e da ordem”.