Fallet-Fogueteiro, Penha-Alemão
Em seis anos, desde a primeira até a mais recente chacina policial nos governos Witzel/Castro, patamar de letalidade da guerra inócua contra a arraia-miúda do tráfico de drogas no Rio subiu 680%.

No dia 8 de fevereiro de 2019, uma operação conjunta do Choque e do Bope da Polícia Militar do Rio de Janeiro resultou em 15 mortos nos morros do Fallet, Fogueteiro, Coroa e Prazeres, na região central da capital fluminense. Dos 15 mortos — jovens que tinham entre 16 e 21 anos de idade — dois foram encontrados por moradores na mata do morro dos Prazeres.
Ato contínuo à matança, os policiais removeram nove dos cadáveres que tinham produzido nos morros, a título de “socorro para as vítimas”. Os cadáveres foram empilhados na caçamba de uma viatura e levados para o Hospital Souza Aguiar, no Centro do Rio. Imagens daquele dia mostram dois policiais sentados sobre a pilha de corpos, que, segundo moradores, tinham marcas de facadas, mutilações, um com o pescoço quebrado.
Um ano após o episódio, a Human Rights Watch apresentou pareceres de peritos forenses internacionais apontando indícios de que os policiais tinham incorrido na prática de “falso socorro”, que é quando a polícia remove mortos em operações para hospitais sob a mentira de que as vítimas ainda tinham sinais de vida, mas na verdade para destruir provas e dificultar as investigações. Os pareceres apresentados pela HRW indicaram também falhas graves nos laudos de necropsia.
A chacina do Fallet-Fogueteiro, como o episódio ficou conhecido, foi a primeira de várias operações-matanças no Rio de Janeiro nos governos Wilson Witzel/Cláudio Castro. Na época, foi a maior chacina policial no estado em 12 anos, desde os 19 mortos no Complexo do Alemão em junho de 2007 numa operação que envolveu 1.350 policiais civis, militares e da Força Nacional.
Na época, Witzel classificou a chacina do Fallet-Fogueteiro como “ação legítima da polícia para combater narcoterroristas”. Já o então ouvidor da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg, não precisou esperar o resultado de nenhuma investigação para dizer o que tem de ser dito diante de uma pilha de cadáveres produzidos por agentes do Estado:
“Uma operação com esse patamar de letalidade não pode ser considerada uma ação regular. É preciso que sua legalidade e a sua conduta sejam apuradas. Isso não pode virar um patamar dos novos tempos”.
Prazeres, Misericórdia
“Isso não pode virar um patamar dos novos tempos”, disse o ouvidor da Defensoria Pública do Rio naquele segundo mês de governo Witzel/Castro no Rio e de Jair Bolsonaro no Brasil. Mas logo veio a chacina policial do Jacarezinho, em maio de 2021, elevando o patamar dos novos tempos para 28 chacinados, quase o dobro do número de mortos na chacina do Fallet-Fogueteiro.
Na semana passada, Claudio Castro e seus chefes de polícia aumentaram o patamar dos novos tempos para 117 “narcoterroristas neutralizados” na “Megaoperação Contenção”, que envolveu 2.500 policiais civis e militares. Quatro policiais também morreram. Dos 117 “suspeitos” mortos nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, destes, não dois, como na mata do morro dos Prazeres, mas 63 foram encontrados por moradores na mata da serra da Misericórdia, com marcas de facadas, mutilações, um com a cabeça decepada e pendurada numa árvore.
Em seis anos, desde a primeira (15 mortos) até a mais recente chacina policial nos governos Witzel/Castro (117 mortos), o patamar de letalidade da guerra inócua contra a arraia-miúda do tráfico de drogas no Rio subiu 680%.
Guerra às drogas, Departamento ‘de Guerra’
Os 13 policiais que teriam apenas reagido a “injusta agressão” no Fallet-Fogueteiro chegaram a virar réus por fraude processual, mas o caso foi arquivado em definitivo em janeiro deste ano. Come Ananás apurou que o superior hierárquico entre os PMs que mataram 15 “narcoterroristas” no Fallet-Fogueteiro — então capitão, hoje major da PM do Rio — foi aprovado meses atrás em processo seletivo da Escola Superior de Guerra para a edição de 2025 do Curso de Políticas e Estratégias Frente a Ameaças Complexas. O curso é uma parceria entre a ESG e o Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa William J. Perry, de Washington DC e vinculado ao Departamento Defesa dos EUA, ou melhor, agora Departamento “de Guerra”, por meio do qual Donald Trump ora ameaça militarmente a América do Sul a título de combate ao “narcoterrorismo”.
Nesta quarta-feira, 5, a jornalista Daniela Lima informou que o governo Castro “dispensou” perícia da Polícia Federal em cadáveres da Penha-Alemão sob a justificativa, dada no dia 30 de outubro, dois dias após a chacina, de que a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio já tinham finalizado o trabalho. Naquela altura, porém, conforme mostra um documento do IML do Rio, os corpos de 41 dos mortos na Penha-Alemão ainda não tinham passado por necropsia.
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Fontes usadas neste artigo
https://www.conjur.com.br/2020-fev-03/pm-rio-mascarou-execucoes-morro-fallet-aponta-ong/


