Gonet e Moraes: delírio a dois
Foi na própria cara também, além da pichação na Estátua da Justiça e sem deixar margem para dúvida, que Debora Rodrigues registrou, com batom, sua participação em tentativa de golpe de Estado.
Tem passado despercebido, mas é um ponto fundamental sobre a cabelereira que brilhou, sobressaiu, resplandeceu no ataque do 8/1 à Praça dos Três Poderes e agora está em prisão domiciliar porque é mãe dois filhos pequenos e porque, sabe como é, sob as togas batem corações: não foi só na Estátua da Justiça que Débora Rodrigues inscreveu, lavrou, registrou com batom sua participação em tentativa de golpe de Estado.
Foi na própria cara também, sem deixar margem para dúvida ou para in dubio pro reo.
No 8/1, além de escrever “perdeu, mané” na Estátua da Justiça, Débora Rodrigues pintou-se, com o mesmo bastão batom, de Coringa, o palhaço apropriado pelo bolsonarismo como símbolo de, digamos, “supremo é o povo”, especialmente na caraterização do personagem no filme Joker, de 2019, do diretor Todd Phillips e com Joaquim Phoenix no papel do inimigo número um do homem-morcego.
Não custa lembrar que ainda agora, em novembro do ano passado, o chaveiro bolsonarista Francisco Wanderley Luiz estava vestido de Coringa quando explodiu a própria cara na frente da mesma Estátua da Justiça, depois de tentar entrar no prédio do STF para explodir o STF.
Não custa lembrar também que Francisco Wanderley, antes de sair vestido de Coringa para tentar explodir o STF, deixou escrito assim no espelho do quarto que tinha alugado em Brasília, e com batom:
“Débora Rodrigues. Por favor, não desperdice batom!!! Isso é para deixar as mulheres bonitas!!! Estátua de merda se usa TNT!”
“Ponha um sorriso nessa cara”, dizia, no filme, a mãe de Arthur Fleck - o Coringa - ao seu filho maltratado pela vida e pelo governo dos Estados Unidos da América.
Pois Débora Rodrigues pôs, para maltratar o Estado Democrático de Direito, e foi a foto daquele sorriso, a foto da Débora com aquele sorriso e com a mãos besuntadas de batom vermelho - em vez da foto da pichação “perdeu, mané” - que um popular perfil “conservador” no Twitter/X chamado “Coringa Opressor” escolheu para dizer que a Débora estava presa apenas por “portar um batom”.
Não custa lembrar, por fim: no filme Joker, no final do filme, o Coringa sobe no capô de um carro e mostra as mãos cheias de sangue para uma multidão enlouquecida, num gesto que remete ao gestual do fascismo.
No ano passado, saiu a continuação de Joker, com título francês e tudo, Folie à Deux - “delírio a dois” -, dirigida pelo mesmo Todd Phillips, mas sem a mesma qualidade do Joker de 2019.
Há, porém, em Folie à Deux, pelo menos uma cena digna de nota, pelo menos à luz dos recuos do STF a título de tentar aplacar o ímpeto golpista, fascista, por anistia: quando uma fã do Coringa, a Arlequina, vai visitar Arthur Fleck na prisão, diante do desânimo do Coringa com seu confinamento, ela saca um bastão batom e desenha um sorriso naquele vidro que separa o preso do visitante. Fleck, então, ajeita-se, apruma-se, alinha-se ao rabisco. Anima-se. Volta a abrir na cara o velho sorriso do fascismo.
Ato contínuo ao julgamento da Primeira Turma do STF que tornou réus Jair Bolsonaro e uma penca de oficiais generais, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu prisão domiciliar para Débora Rodrigues, na esteira do chamamento de Luiz Fux no julgamento na Primeira Turma: “debaixo da toga bate o coração de um homem”.
Também de bate-pronto, Alexandre de Moraes atendeu ao pedido do Gonet, em cálculo para jogar água na anistia pretendida por Bolsonaro et caterva. Débora Rodrigues comemorou em casa o último 31 de março, dia de golpe de Estado, e o cálculo de Gonet e Moraes se mostrou, também ele, um delírio a dois: o PL da Anistia ganhou força, angariou as assinaturas necessárias para ser pautado em regime de urgência e está prestes a ser pautado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
No filme Folie à Deux, uma bomba manda o tribunal pelos ares antes de ser proferida a sentença do Coringa.
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