Há muros e Donalds por todos os lados
Mas há um muro que vem caindo a olhos vistos: aquele que separa, ou separava, a extrema-direita francamente fascista da "centro-direita", "direita-democrática", "direita civilizada".
Cinco anos atrás, em meados de 2020, Andrzej Duda via sua candidatura à reeleição para a presidência da Polônia, até então dada como imbatível, ameaçada pela ascensão do prefeito de Varsóvia, Rafał Trzaskowski, nas pesquisas de intenção de voto. Estava formado o risca-faca entre os partidos Lei e Justiça (PiS, na sigla em Polonês), fascista, de Duda; e o Plataforma Cívica, de “centro-direita”, de Trzaskowski e principal partido de oposição.
Em junho daquele ano, faltando poucas semanas para a eleição, Andrzej Duda soltou uma “Carta da Família” na qual prometia defender as crianças polonesas de uma “ameaça pior do que o comunismo”. Qual? “A ideologia LGBT". No dia 24 de julho daquele ano, faltando apenas quatro dias para a eleição, Duda desembarcou em Washington para uma sessão de fotos de apertos de mãos com Donald Trump nos jardins da Casa Branca.
Foi o suficiente, a operação de emergência de uma extrema-direita que articula princípios, táticas e estratégia a nível global: Andrzej Duda venceu apertado aquele que, na época, num delírio, a Folha de S.Paulo classificou como “surpresa progressista” das eleições polonesas - Trzaskowski.
A vitória de Duda fortaleceu o governo do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, também do PiS, que tinha acabado de perder maioria no Senado. Logo depois, em 2021, o Parlamento polonês aprovou a construção de um muro anti-imigrantista na fronteira com a Bielorrússia, para barrar a entrada de flagelados do Oriente Médio e da África na Polônia e na Europa. O muro de aço e arame farpado, de 5,5 metros de altura e 186 quilômetros de extensão, ficou pronto a jato, em meados de 2022.
No ano passado, numa entrevista a uma “jornalista” trumpista estadunidense, Duda comparou o muro polonês na fronteira com a Bielorrússia com o muro construído por Trump na fronteira dos EUA com o México: “Nosso continente e nossas sociedades, como os EUA, também enfrentam o problema da imigração ilegal. Se alguém vem para a Polônia com a falsa crença de que vai conseguir tudo de graça e viver uma vida melhor sem trabalhar, não concordamos com isso”.
Não é nada, não é nada, nos últimos 10 anos, só nos últimos 10 anos, Estados-membros da União Europeia construíram mais de 1.700 quilômetros de muros anti-imigrantistas, mais que o dobro da extensão do muro trumpista anti-latinoamericanos.
Semanas atrás, no início de janeiro, a Polônia assumiu a presidência rotativa da União Europeia. Quem está de turno, no entanto, não são os fascistas do PiS. Nas últimas eleições legislativas na Polônia, em 2023, o PiS até foi o partido mais votado, mas não o suficiente para renovar-se no governo.
Quem conseguiu fazê-lo, formar governo, foi a Plataforma Cívica, o partido da “surpresa progressista” que anos antes quase tinha custado a Andrzej Duda a reeleição. Quem assumiu o cargo de primeiro-ministro foi um xará de Trump, o “liberal” e “europeísta” Donald Tusk, que já tinha ocupado o cargo durante um longo período, entre 2007 e 2014, e depois foi presidente do Conselho Europeu.
Governando, porém, Tusk tem sido uma “surpresa conservadora”, por assim dizer: ele vem se recusando a adotar na Polônia o Pacto Europeu de Asilo e Migração, que começou a valer em maio do ano passado. O pacto busca um mínimo de equilíbrio entre segurança nas fronteiras europeias e solidariedade/responsabilidade histórica com aqueles que fogem dos flagelos de todo tipo em cujas origens a Europa tem implicação.
Há uma semana, em discurso ao Parlamento Europeu, Donald Tusk insurgiu-se também contra o Acordo Verde ou Pacto Ecológico, decisão da UE para alcançar a neutralidade climática até 2050, e exortou os Estados-membros a que deem ouvidos à admoestação de Donald Trump para que os países da Otan aumentem seus gastos militares para 5% do PIB.
Vibraram os eurodeputados reunidos nas duas grandes frentes parlamentares fascistas do Parlamento Europeu: a Patriotas Pela Europa, covil dos correligionários de Viktor Orbán e do Chega, partido fascista de Portugal; e o grupo Conservadores e Reformistas Europeus (CRE), dominado pela primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.
No último fim de semana, enquanto o primeiro avião com brasileiros deportados por Trump aterrissava em Manaus, chegava ao porto de Shëngjin, na costa do mar Adriático, o primeiro navio da Marinha italiana a serviço do novo programa de Meloni para despejo na Albânia de imigrantes, requerentes de asilo, que chegam à Itália arriscando-se em botes no Mediterrâneo.
Criticado por entidades de defesa dos direitos humanos, o programa de Meloni foi saudado como exemplo de “pensar fora da caixa” por ninguém menos que a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mais um espécime da "centro-direita", "direita-democrática", "direita civilizada" de um continente seduzido pela xenofobia, ainda que leve o nome, a Europa, da princesa fenícia seduzida por Zeus Xênio, o protetor dos estrangeiros.