Interrogatórios do golpe: o selvagem, a motocicleta, o GPS e o capacete azul
Sobre Braga Netto, sobre o período golpista, Bolsonaro disse que "ele ia quatro a cinco vezes por semana no Alvorada porque ele era motociclista e dava seus passeios por Brasília".

Golpe? Não. Segundo disse nesta terça-feira, 10, em juízo, o réu apontado pela Procuradoria Geral da República como chefe da organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado em 2022, tudo não passou de “retórica”, “desabafo”, “temperamento”, “vocabulário”, “falta de um nível civilizado para conversar”.
“E aos 70 anos, é difícil mudar”, disse o selvagem, apelando à sua fama de “folclórico”, no segundo dia de interrogatórios dos réus da Ação Penal 2668 - a Ação Penal do Golpe.
No final do interrogatório de Jair Bolsonaro sobre golpe, violência, barbárie - não obstante marcado por gracejos de parte a parte, e por não muito mais que isso -, o advogado do general Braga Netto perguntou a Bolsonaro se o seu cliente era de fato o elo entre o acampamento golpista do QG do Exército e o Palácio da Alvorada, conforme a denúncia de Paulo Gonet.
“Ele ia quatro a cinco vezes por semana no Alvorada porque ele era motociclista e dava seus passeios por Brasília”, respondeu Bolsonaro.
História melhor que essa sobre a romaria de oficiais generais ao Alvorada durante a conspiração golpista de 2022, só aquela contada por outro réu por golpe de Estado, o general Paulo Sergio, conhecido entre os milicos como “GPS” e ministro da Defesa à época da urdidura da intentona.
Também nesta terça, também depondo no âmbito da Ação Penal 2668, o general Paulo Sergio disse que Bolsonaro, com erisipela e tristonho, sentia-se mais bem disposto quando jogava conversa fora com os comandantes militares. Então… bem, deixemos o “GPS” contar:
“Então eu montei uma escalinha. Chamei os comandantes e disse: ‘olha, cada um vai lá um dia’”.
Em outro depoimento, horas antes, o folclórico - este sim, apenas floclórico - advogado do general Augusto Heleno perguntou ao seu cliente sobre a reunião golpista-ministerial de 5 de julho de 2022: “quando o senhor fala em virada de mesa e soco na mesa, é em sentido literal ou figurado?”.
Heleno respondeu sem pestanejar: “figurado, claro”.
Bem, no sentido figurado, virada de mesa e soco na mesa significam isso mesmo: golpe de Estado. Virada de mesa no sentido literal seria, por exemplo, se o general Augusto Heleno tivesse invertido a posição da sua escrivaninha no GSI.
Um soco na mesa literal seria, por exemplo, se o general Heleno tivesse descido o punho no mobiliário de escritório do seu gabinete na Minustah na madrugada de 6 de julho de 2005, em vez de liderar, naquele dia, a Operação Punho de Ferro, quando capacetes azuis sob seu comando invadiram a favela Cité Soleil, em Porto Príncipe, e massacraram dezenas de haitianos, segundo organizações humanitárias.
O massacre de Cité Soleil foi há 20 anos. Heleno tem 77 anos de idade. Tinha 75 quando andou dizendo aos quatro ventos que “bandido não sobe a rampa”. Como, exatamente, o “bandido” seria impedido de tomar posse como presidente da República?
Na casa dos 70, “é difícil mudar”.
Não por acaso, Jair Bolsonaro repetiu hoje em seu depoimento na Ação Penal 2668, num dos muitos gracejos do dia: “eu sou apaixonado pelo general Heleno”.