MAGA, a origem: 'as terríveis tarifas de Hitler'
Uma história dedicada a todos aqueles que acreditam que o dilema do tempo histórico é ser porco de banha ou porco de bacon.
No dia 10 de fevereiro de 1933, uma sexta-feira, Adolf Hitler subiu ao palco do Palácio de Esportes de Berlim para anunciar diante de milhares de nazistas uma guerra comercial contra seus vizinhos europeus. Exatamente 10 anos depois, em fevereiro de 1943, Joseph Goebbels subiu ao mesmo palco para conclamar de novo milhares de nazis a suportar “o mais pesado dos fardos para conquistar a vitória” contra os bolcheviques, no famigerado Discurso do Sportpalast.
Não havia duas semanas que Hitler tinha ascendido ao poder levando debaixo do braço o Programa dos 25 Pontos, o programa econômico do Partido Nazista, redigido por Gottfried Feder, um engenheiro de Würtzburg que teria inspirado Hitler a entrar no partido, poucos meses depois da sua fundação, vociferando contra acordos internacionais.
No topo do programa de Feder para uma economia hitlerista estavam as tarifas comerciais: “o Nacional-Socialismo exige que as necessidades dos trabalhadores alemães não sejam mais supridas por escravos soviéticos, cules chineses e negros”; “nossos compatriotas alemães devem ser protegidos da concorrência estrangeira”; “libertar o povo alemão de uma ordem mundial globalizada”; “devolver a economia alemã aos alemães”.
Na época, o conservador Partido do Centro - um Centrão alemão! - alertou Hitler contra os “experimentos inconstitucionais e economicamente prejudiciais”, mas não adiantou e os países escandinavos foram as primeiras vítimas do tarifaço, do tariführer.
Gottfried Feder também ostentava um bigode de escova de dentes e vamos combinar que dá pra chamar “devolver a economia alemã aos alemães” de Make Germany Great Again. Há pouco meses, com a chegada de Donald Trump ao poder nos EUA (de novo, again, noch einmal), a revista estadunidense The Atlantic resgatou essa história, a história das "terríveis tarifas de Hitler”.
Banha ou bacon?
Na matéria da Atlantic, chama a atenção o detalhe da banha de porco - Schmalz.
“Se a Alemanha aumentasse o imposto de importação sobre Schmalz , um alimento básico da dieta alemã, o fazendeiro alemão seria motivado pelo aumento de preço a criar ‘porcos de 130 quilos’, a principal fonte de banha, em vez dos mais comuns ‘porcos de 100 quilos’, a principal fonte de bacon. O problema, como observou um crítico, era que o bacon era mais lucrativo do que a banha, mesmo que os ‘porcos de banha’ consumissem mais ração do que os ‘porcos de bacon’. Trocar porcos de bacon por porcos de banha, calculou esse crítico, acabaria levando o criador de porcos à falência. Ele observou ainda que o sistema de comércio internacional estava em vigor há 200 anos e provou ser benéfico para todas as partes. A ‘economia nacional’ proposta por Hitler, com suas políticas tarifárias autodestrutivas, mergulharia o país em uma ‘grave crise’ que poderia custar centenas de milhares de empregos. E isso antes mesmo de qualquer dano causado por tarifas retaliatórias”.
Feder, Insper
O detalhe da Schmalz é um índice da estupidez fantasiada de “razão econômica” que grassa sob suásticas, bonés MAGA, bolsoguedismo e outros demônios à espreita no dobrar da esquina do tempo histórico, do extremo-capitalismo. Outro, outro detalhe revelador, é a ideia que Hitler tinha de combate à inflação, tão em linha com a tropa hodierna da “disciplina fiscal”, em particular, e, no geral, com todos aqueles que acreditam que o dilema do tempo histórico é ser porco de banha ou porco de bacon.
Costumava dizer o professor Adolfo, do Insper e da Fundação Getúlio Vargas:
“Você só tem inflação se quiser. Inflação é falta de disciplina. Cuidarei para que os preços permaneçam estáveis. Tenho minha SA para isso”.