'Nossa mão sempre estará estendida': neonazistas viram segunda maior força política da Alemanha
Na outra vez em que os fascistas ascenderam a segunda maior força política da Alemanha, três anos depois Hitler era nomeado chanceler.
Não foi uma inundação repentina como no verão de 1930, quando o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, o Partido Nazista) deu um salto impressionante de 12 para 107 cadeiras no Parlamento, cavalgando - e açulando - o ressentimento contra o resto da Europa nas eleições daquele ano na Alemanha. Mas neste domingo, 23, o Alternativa para a Alemanha (AfD, partido neonazista) pulou de 77 para 152 assentos no Bundestag, quase dobrando de tamanho após passar semanas dizendo aos alemães coisas como “as pessoas no exterior já estão rindo de nós”.

Com o resultado das eleições gerais deste domingo na Alemanha, os neonazistas são agora a segunda maior força política no Bundestag, tal e qual os nazistas se tornaram a segunda maior força política do país naquele verão de 1930. Menos de três anos depois, no inverno de 1933, Adolf Hitler era nomeado chanceler.
Agora, neste inverno europeu, os neonazistas conquistaram a simpatia, a adesão, a preferência de 20,8% dos eleitores alemães que saíram de casa para votar (mais de 10 milhões de alemães saíram de casa neste domingo para votar nos neonazistas), mais ainda do que os 18,3% amealhados há quase 100 anos pelos nazistas originais.
O AfD ficou atrás apenas da União Democrata-Cristã (CDU), a “direita moderada” que venceu as eleições com 28,6% dos votos mas terá que formar governo com o Partido Social-Democrata (SPD) ou, numa improvável tripla composição, com os Verdes e a esquerda.
Ou com os neonazistas.
Em sinais dos tempos, os sociais-democratas encolheram de 207 para 120 cadeiras na câmara baixa, mas ainda assim o suficiente para uma “grande coalizão bidirecional” com a CDU, enquanto os neoliberais reunidos no Partido Democrático Livre (FDP, na sugestiva sigla em alemão), que tinham 91 cadeiras, sequer alcançaram os 5% de votos necessários para permanecerem no Bundestag.
O AfD teve votação avassaladora especialmente no leste alemão menos desenvolvido, nos estados de Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia, reduto de Björn Höcke, um proeminente líder do partido condenado por repetir em comícios o slogan da SA, a milícia paramilitar de Hitler. Na Turíngia, o AfD conquistou 38% dos votos, quase o dobro do resultado da CDU.
Quase um século atrás, jornais da Alemanha e do resto da Europa classificaram aquela primeira inundação nazi no Parlamento alemão como “eleições rancorosas” (Frankfurter Zeitung), “eleições do desespero econômico” (Münchener Post), “revolta” dos alemães (Le Journal).
Agora, na inundação neonazi do Bundestag, a outra grande promessa de campanha do AfD, além da “organizar repatriações em larga escala”, foi uma economia de 7.400 euros por ano, via cortes de impostos, "para pais casados, 35 anos de idade, com um a dois filhos e renda bruta familiar de 3.500 euros por mês”.
E, naturalmente, todos arianos.
Um dos slogans da campanha do AfD, cujo símbolo lembra muito o símbolo da Nike, parecia mesmo um inocente anúncio de programa de fidelidade de loja de material esportivo, em vez de chamamento para consentir com o fascismo em troca de uns trocados: “poupe agora € 7.400 euros por ano com o AfD”.
O líder da CDU e provável novo chanceler alemão, Friedrich Merz, por ora descartou a possibilidade de formação de governo com o AfD, em nome do “firewall”: um pacto não escrito na política alemã para isolar os neonazistas no âmbito da institucionalidade. Semanas atrás, no entanto, Merz piscou para o AfD com uma cadeira na mesa de negociação institucional, dizendo que os votos do partido seriam bem-vindos para aprovar logo o quê: um pacote de emergência anti-imigração.
Neste domingo, após a divulgação do resultado eleitoral, a líder do AfD, Alice Weidel, comentou assim a ascensão do seu partido ao posto de segundo maior partido no Bundestag: “na próxima vez seremos os primeiros". Weidel também falou sobre a hipótese de o AfD, para já, formar governo com a CDU. Vindo de quem veio, a fala saiu com duplo sentido, misto de aceno e advertência aos titãs da “direita moderada”:
“Nossa mão sempre estará estendida”.
Vi gente surpresa com isso, mas acho que durante este ano em que a sociedade alemã se viu questionada sobre o genocídio na Palestina, os sintomas desse crescimento do neonazismo ficaram mais visíveis. Tenho um bom amigo Palestino morando em Berlin, que sempre organizou campanhas, nas outrs "fases" da Nakba. Esse ano, o que ele trouxe para nós tinha todos os sinais disso.