O principal motivo do refugo dos cavalos
A história do Exército Brasileiro na trama golpista de 2022 é a do manga-larga marchador que, prestes a completar todo um percurso, recusa-se a saltar o último obstáculo.
“Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”.
Ao longo do último ano e meio, esta foi a epígrafe da “narrativa” segundo a qual o Exército Brasileiro teria salvado o Brasil do golpe de 2022, em vez de ter participado, por meses, se não anos, da trama golpista.
A frase, assim, entre aspas, apareceu pela primeira vez em matéria publicada no dia 21 de setembro de 2023 no Valor Econômico. O título da matéria, construída com base em delação de Mauro Cid, era este: “Na reunião em que Garnier aderiu ao golpe, comandante do Exército ameaçou prender Bolsonaro”.
“O brigadeiro Carlos Batista, da Aeronáutica, ficou calado, e quem enfrentou o presidente foi o comandante do Exército, general Freire Gomes. Ele não apenas disse a Bolsonaro que o Exército não compactuava com um golpe como afirmou à queima-roupa: ‘Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo’”, dizia a matéria do Valor.
Ao longo do último ano e meio, este Come Ananás vem mostrando, repisando, insistindo, com base nos fatos, na absoluta inverossimilhança da “narrativa” de que o Exército salvou o Brasil do golpe, já que o Exército - a instituição, não “alguns CPFs” - participou decisivamente dos ataques às urnas eletrônicas, do tumultuamento do período eleitoral e do Estado-Maior Conjunto Bolsonaro-Forte Apache para manter vivos e vibrantes os acampamentos golpistas na frente dos quartéis, à espera do “soco na mesa”.
Ao longo do último ano e meio, este Come Ananás vem mostrando, repisando, insistindo que a história de que o general Freire Gomes teria ameaçado prender Jair Bolsonaro, se Bolsonaro tentasse o golpe, não parava em pé, e que o Brasil também não parava em pé, no dobrar da esquina, caso o país insistisse, mesmo depois de tudo, em mitologias verde-oliva sobre generais legalistas cunhados para a vida democrática na Academia Militar das Agulhas Negras.
Nesta segunda-feira, 19, o general Freire Gomes afirmou em juízo, diante de Alexandre de Moraes e Paulo Gonet, que jamais ameaçou Jair Bolsonaro com o xadrez: “a mídia até reportou aí que eu teria dado voz de prisão e isso não aconteceu”.
A ver, a apurar, a descobrir por que um general “consolidado” como herói nacional na “narrativa” que prevaleceu sobre a trama golpista de 2022, mesmo contra os fatos; por que o general Freire Gomes tentaria agora, em seu depoimento no âmbito da ação penal do golpe, aliviar a barra de quem, ao contrário dele, não escapou de virar réu, como o almirante Almir Garnier, levando um pito de Moraes e correndo o risco de acabar virando réu também, ele, Freire Gomes, transitando quase que voluntariamente de herói a vilão.
O que parece é que está na rua uma operação para tumultuar a ação penal do golpe, para que aprendam alguma coisa os que acreditam em mudanças na Força Terrestre, na Força Aérea e na Armada. Mas o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior, marcado para esta quarta-feira, 21, ainda indicará se é o caso de mais uma operação conjunta das Forças Armadas, três anos após a operação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para tumultuar o processo eleitoral, o país, a legalidade. Mas sobretudo do Exército.
A história do Exército Brasileiro - da instituição, do seu comando - na trama golpista de 2022 é a do manga-larga marchador que, prestes a completar todo um percurso, recusa-se a saltar o último obstáculo, e não por mero “não querer” saltar. Formado na Aman na Arma da Cavalaria, o general Freire Gomes sabe bem qual é o principal motivo do refugo dos cavalos.
É o medo.
Muito bom!
SEM ANISTIA