O programa Pé-de-Meia e o pé-de-meia de Jair Bolsonaro no TCU
Ministro do TCU que comemorou "um movimento forte da caserna" em 2022 é agora o relator do caso Pé-de-Meia, que vem sendo brandido pela oposição bolsonarista como motivo para impeachment de Lula.
No final de 2022, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), enviou a empresários do “agronegócio” um áudio comemorando a fermentação de um golpe de Estado no Brasil. Naquela altura, corria solto o plano “Punhal Verde e Amarelo”, plano de militares para assassinato do então presidente eleito, Lula, do vice, Geraldo Alckmin, e do à época presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
“Demoramos, mas felizmente acordamos. O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo semana ou duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace forte na nação. Imprevisíveis. Portanto, a fala desse cidadão é pra despertar o produtor rural também porque não adianta só caminhoneiro trabalhar. Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas”, disse Augusto Nardes, via WhatsApp.
Há pouco mais de um mês, em dezembro do ano passado - dois anos depois do áudio - a Corregedoria do TCU abriu um procedimento para apurar se Nardes pode ser punido por desvios funcionais…
Enquanto isso, Augusto “Felizmente Acordamos” Nardes, ministro do TCU “precioso” para Jair Bolsonaro, exerce à vontade a função de relator no tribunal do processo TC 024.312/2024-0, “sobre possíveis irregularidades na execução do programa de incentivo financeiro-educacional, na modalidade de poupança, voltado a estudantes matriculados no ensino médio público e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, denominado Pé-de-Meia”.
No último 22 de janeiro, o plenário do TCU manteve uma decisão liminar de Augusto Nardes que suspendeu a execução de R$ 6 bilhões do Pé-de-Meia, na prática inviabilizando o programa e deixando quatro milhões de estudantes pobres a ver navios a partir de março.
O relatório de Nardes aponta gastos sem autorização do Congresso para manter o Pé-de-Meia - uma sobra de recursos do FIES. No ano passado, porém, o Congresso aprovou e o presidente Lula sancionou uma lei prevendo o uso desse tipo de recurso para o financiamento do programa, justamente para que não viesse algum senhor “movimento muito forte na caserna” tirando da cartola esse tipo de contestação.
Agora, o relatório de Nardes vem sendo agitado no ar pela oposição bolsonarista nas redes sociais como motivo para impeachment de Lula, ecoando as “pedaladas fiscais” brandidas em 2016 para justificar o golpe contra Dilma Rousseff. Ensaia-se uma punhalada verde-amarela tardia e sem sangue, a princípio sem sangue, só com o suor de milhões de jovens que terão de abandonar as salas de aula para voltarem ao trabalho precário.
O relatório de Augusto Nardes foi avalizado por unanimidade pelo plenário do TCU. Participaram da votação sete dos nove ministros do tribunal: além de Nardes, Vital do Rêgo (Presidente), Bruno Dantas, Benjamin Zymler, Antonio Anastasia, Walton Alencar Rodrigues e Jorge Oliveira.
Bruno Dantas e Vital do Rêgo são tidos como o “Centrão do TCU”, seja lá o que isso quer dizer (na verdade, sabemos bem o que isso quer dizer). Antonio Anastasia foi o relator do processo de impeachment de Dilma no Senado. Já Walton Alencar e Jorge Oliveira…
No dia 20 de março de 2020, o ministro Walton Alencar compartilhou em um grupo de WhatsApp chamado “Ministros TCU” uma notícia sobre a insistência do governo Bolsonaro em levar a cabo o projeto da ferrovia Ferrogrão. Dias antes, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, tinha suspendido o empreendimento, a pedido do PSOL, porque o projeto da ferrovia previa rasgar o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.
Após mandar a notícia, Alencar enviou aos seus colegas o seguinte comentário, com exclamações:
“Quando o STF deixa de discriminar entre o certo e o errado, para evitar que o governo faça um gol de placa em alguma coisa, é lógico que o Brasil vai para o buraco! Jogar contra o nosso país desse jeito só o STF e o PSOL!”.
Quanto a Jorge Oliveira, ele foi indicado por Jair Bolsonaro para o TCU em outubro de 2020, para a vaga aberta pela aposentadoria compulsória de - mundo pequeno - José Múcio Monteiro.
Meses antes da indicação de Oliveira, Alexandre de Moraes tinha barrado a indicação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, por motivo de “inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público", por Ramagem ser amigo da família Bolsonaro.
Pai, mãe e uma tia de Jorge Oliveira foram funcionários em gabinetes do clã Bolsonaro ao longo de quase 15 anos, antes de Bolsonaro virar presidente. Presidente, Bolsonaro chamava seu indicado para o TCU de “Jorginho”. Moraes tinha barrado a indicação de Ramagem para a PF porque Bolsonaro queria “ter uma pessoa do contato pessoal dele que pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”. E “Jorginho”? O que poderia “Jorginho” fazer pelo amigo no TCU?
Poderia, por exemplo, ser o ponta-de-lança no TCU da campanha contra o sistema brasileiro de votação eletrônica. Em 2021, “Jorginho” sentou durante 60 dias, com um pedido de vista, em cima de um relatório técnico do TCU que atestava a confiabilidade das urnas eletrônicas. Quando finalmente votou, chegou a chamar a tese do voto impresso de “vencedora” na Câmara, ainda que a PEC tivesse sido derrotada por não ter alcançado a adesão de 3/5 dos deputados, e citou, na linha golpista, a “possibilidade de manipulações imperceptíveis”.
Em agosto de 2022, às vésperas do início da campanha eleitoral, “Jorginho” se encontrou o presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, para discutir o “voto auditável”, conforme revelou o jornalista Paulo Motoryn no Intercept Brasil. Naquela altura, Rocha já tinha sido contratado pelo PL para desacreditar as urnas eletrônicas.
O engenheiro Carlos Rocha é um dos indiciados pela PF no inquérito do golpe, por subsidiar golpistas dando verniz científico a, conforme o inquérito, “teses de indícios de fraudes que circulavam pelas redes sociais”.