Os generais e as doninhas
Cara a cara com Moraes, general Dutra disse que apenas tomou um "cafezinho de cortesia" com Anderson Torres na antevéspera do 8/1 e que maioria dos acampados na frente do QG era de moradores de rua.

Há dois mil e seiscentos anos, um escravo contador de histórias tentou instruir os gregos sobre os riscos da vaidade, mas parecia falar ao Brasil moderno sobre o quanto seria difícil a luta contra os fatos para blindar oficiais generais que destacaram “técnicos” para lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas; agasalharam e acalentaram acampamentos golpistas - até com nota pública de apoio e proteção -; e até moveram tropas para o meio da rua a fim de impedir a prisão de terroristas em flagrante.
Durante a guerra patriótica movida pelos ratos contra as doninhas, os ratos estavam cansados de perder a maioria das batalhas. Reunindo-se em assembleia, chegaram à conclusão de que faltava era comando. Em votação, elegeram um punhado de generais. Para se distinguirem dos oficiais intermediários, subalternos e dos reles patriotas, os generais implantaram chifres sob seus quepes decorados com quatro elipses concêntricas perfiladas, bordadas em fio Myller, tendo ao centro, em fundo azul-celeste, o Cruzeiro do Sul em estrelas prateadas.
Houve uma nova batalha, uma grande escaramuça. Mesmo causando grande destruição ao patrimônio público, os ratos, de novo, levaram a pior. Batendo em retirada, a maioria dos intermediários, subalternos, reles patriotas e esbirros de toda sorte conseguiu voltar para os esgotos. Os generais, por seu turno e coturno, ficaram em dificuldades: os chifres, grandes demais, impediram que escorregassem por completo pelas frestas.
Quando bolou a fábula Os ratos e as doninhas, Esopo não poderia ter em mente, por exemplo, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-subchefe dos kids pretos e comandante militar do Planalto durante os meses de fermentação do golpe de Estado e no 8/1. Na noite do 8/1, tropas do Comando Militar do Planalto fecharam a Avenida do Exército com blindados Guarani a fim de impedir a prisão de soldados civis do golpismo no acampamento golpista do Setor Militar Urbano.
Naquela noite, militares sob o comando do general Dutra chegaram a apontar canhões para o interventor federal, Ricardo Cappelli, e para policiais militares do DF que, com a intervenção, estavam naquele momento sob as ordens do comandante supremo das Forças Armadas - o presidente Lula.
Em depoimento a Julia Duailib para o documentário “A Democracia resiste”, o ex-ministro da Justiça Flavio Dino relatou que naquele dia, ao se dirigir para o Setor Militar Urbano, deparou com “duas ou três linhas de formação da Polícia do Exército de frente não para o acampamento, mas para a PM”; “blindados do Exército se agrupando ali”; “soldados aparatados como se fosse para um combate”.
Esopo até que parecia mesmo falar do Brasil moderno, sobre os generais da ativa em altos postos de comando durante a conspiração golpista e no 8/1, com seus chifres grandes demais para conseguirem se safar. Parecia. Apesar dos chifres enormes, o general de Divisão Combatente Gustavo Henrique Dutra escorregou pelas frestas de Brasília e hoje, em vez de réu por tentativa de golpe de Estado, é vice-chefe do Estado-Maior do Exército, nomeado pelo presidente Lula.
Nesta semana, o general Dutra não apareceu na data marcada para o seu depoimento no STF no âmbito da ação penal do golpe. O vice-chefe do EME foi arrolado como testemunha de defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Intimado por Alexandre de Moraes a sair das frestas, Dutra depôs nesta sexta-feira, 30, finalmente.
Perguntado por Moraes sobre um encontro fora da agenda que teve com Torres na antevéspera do ataque à Praça dos Três Poderes, o general disse que foi apenas “um cafezinho de cortesia” com o então recém-empossado secretário de Segurança do DF. Um cafezinho com Torres horas antes de Torres, como Bolsonaro, embarcar para os EUA, para ver de longe o circo pegar fogo.
Nesta sexta, cara a cara com Moraes, Gustavo Dutra ainda reverberou em juízo um elemento caro à “narrativa” bolsonarista sobre o 8/1: às vésperas do ataque à Praça dos Três Poderes, o acampamento na frente do QG do Exército era formado, em sua maioria, segundo Dutra, por moradores de rua…
Dos generais da ativa em altos postos de comando durante a conspiração golpista de 2022 e no 8/1 de 2023, só Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, então chefe do Comando de Operações Terrestres, é réu no STF por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada. Os que se safaram, agora, tentam embaralhar a ação penal, em depoimentos um mais disparatado que o outro.
SEM ANISTIA