'Os trabalhadores nada têm a perder a não ser o grau de investimento'
Nesta semana, houve festa na esquerda por um Ba1 da Moody’s e euforia com um "investment grade" apontando no horizonte.
“Vivemos novamente em um mundo de duas superpotências. Há os Estados Unidos e há a Moody’s. Os Estados Unidos podem destruir um país com bombardeios, enquanto a Moody’s pode fazer o mesmo rebaixando a nota de seus títulos”, escreveu Thomas Friedman quase 30 anos atrás, quatro anos após o fim da Guerra Fria, em um artigo publicado no New York Times em fevereiro de 1995.
Pedro Lange Netto Machado, doutor em Ciência Política pela UERJ, e Patrícia Fonseca Ferreira Arienti, doutora em Ciência Econômica pela UFPR, lembraram desse excerto de Thomas Friedman logo na abertura do seu artigo publicado em 2020 sobre como as agências de rating ajudaram a destruir, de resto, o segundo mandato de Dilma Rousseff.
“As agências não apenas declararam apoio explícito à oposição ao governo nas eleições de 2014, mas passaram a atuar, elas próprias, como atores políticos que o antagonizaram, sobretudo no segundo mandato de Dilma. Na crise política e de governabilidade que então se conformou, as agências ganharam destaque, lançando mão de um atípico ativismo no processo de impeachment que se instaurou. Não seria exagero afirmar que chancelaram a destituição da presidente e que contribuíram para o desfecho caótico de seu governo”, diz o artigo de Pedro Lange e Patrícia Arienti publicado quatro anos atrás.
Moody’s: o novo FMI
De fato, dizia assim o site InfoMoney no dia 9 de setembro de 2014, quando a Moody’s rebaixou a nota do Brasil faltando um mês para as eleições, mesmo após Guido Mantega ter anunciado uma machadada de R$ 44 bilhões no orçamento para exibir “solidez das contas públicas”:
“Moody’s agita o cenário eleitoral”.
Com o cenário eleitoral agitado, Dilma venceu apertado, com 51,64% dos votos válidos. Depois, foi mesmo como disse o mau perdedor Aécio Neves ao El País em agosto de 2015, comentando outro rebaixamento da nota do Brasil pela Moody’s, em uma entrevista na qual o golpe então em gestação já gritava nas entrelinhas do falatório de um dos seus arquitetos:
“A decisão pressionará mais o Governo e o Congresso a encontrarem um caminho para aprovar medidas de ajustes e reformas. A grosso modo, a política será mais importante que a economia para determinar a trajetória da política fiscal no curto prazo”.
Grosso modo, as notas mais baixas ou mais altas dadas pela Moody’s, Finch e Standard Poor’s expressam menor ou maior perspectiva de rentabilidade e segurança para o capital financeiro transnacional jogar com títulos de países e empresas, numa espécie de superbetting só para super-ricos, mas de risco mínimo para os especuladores e por vezes, como se vê, à custa de governos que não ajoelham sobre o milho cru com o mesmo fervor acenado pela oposição.
À custa das soberanias nacionais: grosso modo, as agências de classificação de risco cumprem hoje junto a países como o Brasil - países subdesenvolvidos que acumularam graúdas reservas internacionais - o papel que até outro dia era desempenhado pelo FMI, ou seja, o de assegurar a implementação da agenda do mercado financeiro; de tutela da política a fim de que a economia não escape nem um milímetro às balizas do neoliberalismo, para infelicidade das classes trabalhadoras.
Ou, como resumiu o insuspeito neoliberalzão Thomas Friedman, naquele artigo da metade dos anos noventa: “Nas décadas de 1970 e 80, o visitante mais importante que um país em desenvolvimento poderia ter era o FMI, para ajudar a reestruturar sua economia. Na década de 1990, o visitante mais importante que um país em desenvolvimento pode ter é a Moody's Investors Service Inc”.
‘Pragmatismo sob coação’
Que o atual secretário do Tesouro Nacional, oriundo de governos tucanos em São Paulo, tenha se empolgado com a elevação da nota do Brasil pela Moody’s, nesta semana, a ponto de propor um “pacto social” pelo grau de investimento, isso não chega a ser surpreendente. Tampouco foi anormal que a mídia corporativa, devota das agências de rating, tenha se mordido toda em praça pública porque a Moody’s elevou a nota do Brasil em pleno governo Lula e em meio a mais uma onda de terrorismo fiscal.
Exótica mesmo, nesta semana, foi a festa “chupa, mídia!” dada na casinha da esquerda por causa de um Ba1 da Moody’s e a euforia que tomou conta do recinto com um grau de investimento da Moody’s apontando no horizonte. “Estamos comemorando até nota da Moody’s, porque o fascismo está à espreita”, é o que parece estar nas entrelinhas dos nossos fogos e rojões.
Como se o sistema de notas das agências de rating não fosse componente da máquina global de esvaziamento da política, com qualquer vislumbre de mudança real no modelo econômico sendo prontamente sacrificado no altar do “pragmatismo sob coação”; como se o esvaziamento da política não resultasse na erosão da Democracia, em vez do seu aprofundamento e azeitando assim o recrudescimento, ora veja, do fascismo.
As classes trabalhadoras não têm mesmo nada a perder além do aumento do fluxo de capitais e da redução do custo de transações entre agentes privados, vantagens das boas notas dadas pelos disciplinários da Moody’s em troca da implementação de uma ideologia, a do capital, traficada como “boa ciência econômica”?
Não demora para cantarmos o latifúndio monocultor-desmatador como “motor do Brasil”, “celeiro do planeta”, em nome de uma balança comercial ostentação. Já, já convocaremos atos de apoio a ajustes fiscais, para nos orgulharmos de belíssimos superávits primários.
Houve um tempo em que a gente comemorava avanços sociais, conquistas concretas das classes trabalhadoras, em vez de uma nota Ba1. Houve um tempo em que no horizonte da gente estava a emancipação humana. Ou pelo menos, vai, romper com a cartilha neoliberal. Era o que estava lá, para a gente caminhar, em vez de um dos itens da cartilha: o “investment grade”.