'Prezado camarada síndico': uma história sobre correlação de forças
O combo bomba/panfletos deixado no metrô de São Paulo nesta semana e os panfletos sobre bombas deixados na avenida Presidente Vargas, 40 anos atrás, na véspera do comício das Diretas no Rio.

“Abaixo os generais golpistas!”. Esta era a consigna primeira do combo bomba/panfletos que alguém deixou no terminal Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, na última terça-feira, 12. Decorados com a foice e o martelo, os panfletos alinhavam ainda palavras de ordem como “Morte aos fascistas!”, “Viva o Maoísmo!” e “Viva a Guerra Popular!”, e terminavam assinados pelo “Partido Comunista do Brasil”, mas com a sigla do Partido Comunista Brasileiro…
Há mais de 40 anos, no dia 9 de abril de 1984, véspera do comício das Diretas na Candelária, no Centro do Rio de Janeiro, alguém distribuiu na avenida Presidente Vargas panfletos que começavam dizendo que “exigimos eleições diretas” e distribuíam “saudações socialistas”. Ao mesmo tempo, os panfletos alertavam para “a ocorrência de bombas, saques e depredações” se os “nossos camaradas” não esvaziassem os prédios da avenida por completo até o meio-dia do dia da manifestação. Tudo em nome “do nosso Governador e futuro presidente, Leonel de Moura Brizola” e assinado pelo Comitê Pró-Diretas.
Eis a íntegra do texto daqueles panfletos distribuídos no Rio quatro décadas atrás:
Prezado camarada: Como você e toda nação bem sabem, estamos empenhados no grande movimento que dará de volta o direito usurpado, há 20 anos, do povo votar e escolher o Presidente da República. Queremos e exigimos eleições diretas. Dentro desse movimento, chegou a hora do Rio de Janeiro mostrar a sua força em uma demonstração popular, liderada pelo nosso Governador Leonel Brizola, futuro Presidente do Brasil. E a sua maneira de colaborar, nosso camarada, como síndico do seu prédio, ou chefe de repartição aí localizada e representante da comunidade, residente ou trabalhando neste local, é fazer com que todas as pessoas saiam do edifício até as 12h do dia 10 de abril próximo, terça-feira.
Isto evitará a ocorrência de bombas, saques e/ou depredações que fatalmente ocorrerão se tal medida acauteladora não for tomada. Mantenha o prédio vazio e fechado após o meio-dia e não deixe de retirar os seus condôminos ou funcionários, para não se aborrecer. Force-os a sair, porque depois o responsável será você, lembre-se disso. Esta é uma recomendação pessoal do nosso Governador e futuro presidente, Leonel de Moura Brizola.
Saudações socialistas na luta do povo pelas diretas já. Coopere conosco. Dia 10 de abril: saia do prédio até as 12h. Ass. Comitê Pró-Diretas.
Brizola e o Comitê Pró-Diretas negaram imediatamente a autenticidade dos panfletos, atribuídos pelo então governador à “ação de provocadores”. Não chegava a ser sutil a pressão da ditadura sobre o governo Brizola naqueles dias anteriores ao comício da Candelária, pressão essa perfeitamente ilustrada quando se alertou ao “camarada síndico”, pois sim, via panfletos, que “depois o responsável será você, lembre-se disso”.
E eis que em sua edição do dia 10 de abril de 1984, dia do comício, o jornal O Globo publica uma reportagem informando que o presidente da República em exercício, Aureliano Chaves (o general Figueiredo estava em viagem ao Marrocos) havia telefonado não uma, não duas, mas três vezes para Brizola a fim de alertá-lo de que “a responsabilidade é estadual”.
Enfrentar, bancar, garantir
Apesar das ameaças feitas por nada menos que uma ditadura terrorista - era nada menos que esta a correlação de forças na época -, Brizola e seu secretário de Polícia Militar, coronel Carlos Magno Cerqueira, não se deixaram intimidar: enfrentaram a pressão do Exército e bancaram, garantiram o comício das Diretas na Candelária. A ditadura não se atreveu, nada aconteceu e o comício foi uma das maiores manifestações populares da história do Rio, do Brasil, reunindo por volta de 400 mil democratas na avenida Presidente Vargas, aquela que os provocadores, com suas ameaças, com seus recados, com seus panfletos alarmistas, pretendiam esvaziar.
Era um tempo no qual o governo do Rio de Janeiro, em vez de reprimir quem vai à luta, colocava uma torneira em cada hidrante da Candelária ou da Cinelândia, cada hidrante guarnecido por um bombeiro, para servir às lutas do povo e para que o povo pudesse se servir.
Karai,
Acho que estava lá, muito zen
Uma multidão danada...
Tenho vivo na memoria Miro Teixeira apontando os predios da Caixa e Petrobras...