Prisão nos Andes e no Planalto Central
Pela primeira vez no Brasil oficiais-generais de quatro estrelas, quatro deles, foram presos por golpe de Estado, ainda que nenhum deles tenha ido de fato, no duro, para trás das grades.
Nesta histórica terça-feira, 25, pela primeira vez militares das mais altas patentes das Forças Armadas do Brasil foram presos por golpe de Estado, ainda que nenhum dos quatro oficiais-generais de quatro estrelas — três generais de Exército e um almirante de esquadra — tenha ido de fato, no duro, para trás das grades.
A explicação está em todos os jornais: militares condenados devem cumprir pena “somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso”. É o que prevê o artigo 73 da Lei nº 6.880, o Estatuto dos Militares, sancionado em 1980, na ditadura, pelo avô de Paulo Figueiredo.
O general Walter Braga Netto começou a cumprir pena onde já estava preventivamente há quase um ano: em um “cômodo” da Vila Militar, no Rio de Janeiro, com cama, armário, geladeira, ar-condicionado, televisão e banheiro exclusivo.
Os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira tampouco foram para celas, mas para “salas especiais” preparadas para eles no Comando Militar do Planalto. As salas têm cama, armário, escrivaninha, ar-condicionado e banheiro exclusivo também. O Exército aguarda autorização da Justiça para pôr TV e frigobar para Heleno e Paulo Sérgio também, após o comandante da Força, general Tomás Paiva, requisitar a Alexandre de Moraes “dignidade” para os golpistas.
Já o almirante Almir Garnier fez check-in na “fortaleza”, como é conhecida a Estação Rádio da Marinha em Brasília. Trata-se de uma instalação isolada, a 30 quilômetros do Plano Piloto, cercada de vegetação nativa do Cerrado e com acesso altamente restrito. O isolamento reduz o risco de interferências — não em execução penal, até segunda ordem, mas de ondas eletromagnéticas.
Os quatro quatro estrelas vão cumprir pena por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado em condições semelhantes à do quinto elemento militar do “núcleo crucial” da Ação Penal do Golpe, o capitão Jair Bolsonaro, recolhido a uma “sala de Estado Maior” da superintendência da Polícia Federal em Brasília.
Caso a Justiça autorize a “dignidade” de uma TV para os generais Heleno e Paulo Sérgio, todos os cinco poderão assistir, quem sabe simultaneamente — watch party —, ao filme Prisão nos Andes, coprodução entre Brasil e Chile dirigida por Felipe Carmona e lançada em 2023. No filme, cinco notórios torturadores e assassinos da ditadura de Pinochet — dois generais, dois brigadeiros e um coronel — cumprem pena confortavelmente, cheios de “dignidade” — regalias —, em uma estância no sopé da cordilheira, bem diferente dos calabouços de morte e desespero da Direção de Inteligência Nacional (Dina).
Em uma cena de Prisão nos Andes, logo no início do filme, o general Manuel Contreras, ex-diretor da Dina e “pai” da Operação Condor, recebe uma equipe de TV na aconchegante sala de estar da Penal Cordillera, para dar uma entrevista. Segue-se entre a repórter e o apenado o diálogo abaixo:
— General Contreras, você acredita no Céu?
— É claro.
— E quem espera encontrar no Céu?
— Com Deus.
— E com Pinochet?
— Não faço ideia.
— E com os milhares de torturados e desaparecidos durante a ditadura?
— Veja, eu nunca matei ninguém, nunca torturei ninguém. Sim, houve castigo, mas para os terroristas, marxistas-leninistas que queriam transformar este país em uma nova Cuba. Aqui havia uma guerra civil e eu cumpri meu dever como general do Exército do Chile.
— Você, junto com os outros presos, foi condenado a mais de 800 anos por violações de direitos humanos.
— Veja, isto aqui não é uma prisão. Este é um lugar que foi feito especialmente para nós, oficiais do Alto Comando do Exército do Chile.
— Não, há guardas aqui, não militares.
— Não, eles estão lá fora.
— Estão aqui.
— Estão lá fora!
— Há um guarda atrás de você.
— Ah! Não… (risos) Esse está aqui para segurar a minha bengala.



