Se diz inocente, o ex-ministro dos Ataques às Urnas Eletrônicas
Encarregado por Bolsonaro de envenenar a sociedade brasileira contra as urnas eletrônicas, substrato e primeira fase da conspiração golpista, o general Paulo Sergio cumpriu direitinho a missão.

Entre infinitas citações de poetas, pintores e até da sogra, no fim das contas o advogado do general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira na ação penal do golpe baseou toda a defesa do seu cliente diante da Primeira Turma do STF, nesta quarta-feira, 3, num conto de que o general teria sido contagiado com “espírito pacificador” quando ainda era garoto, quando aluno do Colégio Militar de Fortaleza.
“Mal sabia que a vida estava lhe forjando para um momento decisivo da historia nacional”, disse o doutor-trovador Andrew Fernandes Farias nesta quarta, na tribuna dos advogados.
É que, segundo o doutor, a atuação do então Ministro da Defesa durante a trama golpista teria sido tão somente a de tentar demover Jair Bolsonaro do golpe. Se nos bastidores o general aconselhou Bolsonaro a não levar adiante a intentona, não se sabe. O que se sabe é que, à luz do dia, Paulo Sergio fez precisamente o contrário: ajudou Bolsonaro, e com muita competência, justamente naquilo que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apontam como o substrato, primeira fase da conspiração, que foi a campanha para desacreditar as urnas eletrônicas.
O general Paulo Sérgio é conhecido na “família militar” como GPS. No dia 14 de julho de 2022, quando juízes eleitorais já nomeavam os mesários das eleições, o GPS levou um coronel da ativa do Exército Brasileiro para o Senado da República, um “coronel técnico”, para o “coronel técnico” dizer, dentro do Congresso Nacional, que talvez houvesse um código malicioso nas urnas eletrônicas pronto para ser acionado no dia da votação.
“Em relação à ameaça externa, a gente considera que há sim um grande nível de proteção. A urna não se conecta à internet. Realmente, em relação a uma vulnerabilidade externa, é muito difícil. No que tange a uma ameaça interna, a uma vulnerabilidade interna, a gente ainda não tem disponível a documentação que nos leve a formar uma opinião conclusiva de que a solução é segura em relação a uma ameaça interna. É possível que um código malicioso tenha sido inserido na urna e fique lá latente esperando algum tipo de acionamento”, disse o coronel Marcelo Nogueira de Souza naquele dia, uma quinta-feira, na Comissão de Fiscalização do Senado, com o general Paulo Sergio bem ao seu lado.
Naquela apresentação do Ministério da Defesa no Senado, o coronel Nogueira disse ainda que, caso as “sugestões” dos militares não fossem acatadas pelo TSE, “um código malicioso” que estivesse “dormente no programa matriz” poderia “ser transmitido e instalado em todas as urnas”. A esta escala de envenenamento da sociedade brasileira às vésperas das eleições, o general Paulo Sergio se referiu a isso, naquele 14 de julho de 2022, dentro do Congresso, como “histórica demanda de transparência das urnas eletrônicas”.

Quatro dias depois daquela audiência no Senado, apenas quatro dias depois, Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar as urnas eletrônicas e ministros do STF e do TSE perante a “comunidade internacional”. O general Paulo Sergio estava lá, na primeira fila. Em sua denúncia dos golpistas, Gonet classificou aquela reunião no Alvorada como um “passo a mais na execução do plano de permanência no poder, independentemente do resultado das urnas”.
Semanas depois, no dia 4 de agosto, Paulo Sergio assinou um decreto criando formalmente a Equipe das Forças Armadas de Fiscalização e Auditoria do Sistema Eletrônico de Votação, a EFASEV, e nomeou como chefe da equipe o “coronel técnico” transformado em arauto de que “o malware pode estar no chip”.
Composta por três militares designados pelos comandos de cada Arma - três do Exército, três da Marinha, três da Força Aérea -, a EFASEV funcionou em 2022 como ponta-de-lança do assédio militar ao TSE, cavalo de Tróia com o qual o Ministério da Defesa azucrinou a Justiça Eleitoral e ajudou Bolsonaro a difundir suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas entre aqueles que mais tarde viriam a acampar na frente dos quartéis e, por último, destruir da Praça dos Três Poderes.
Agora, no banco do réus, Paulo Sergio se diz inocente e seu jovem advogado tenta emplacar uma tese estapafúrdia: a de que GPS “atuou ativamente” para botar juízo na cabeça de Bolsonaro, enquanto no duro, no fatos, no comando das Forças Armadas, fazia apenas como o outro, “um manda, o outro obedece”, servindo fielmente a Bolsonaro como ministro dos Ataques às Urnas Eletrônicas, contribuindo decisivamente para lançar o país na paranoia e na insensatez total.