Senhor Hitler, ‘coringa de audiência’
A banda da extrema-direita vai passando, tocando cada vez mais alto, e a mídia brasileira vai descrevendo seus componentes dando a eles não as qualificações que eles merecem objetivamente, mas sim aquelas turvas, mistificadoras, com as quais eles próprios querem se apresentar.
Assim, lá vai Jair Bolsonaro, o “conservador”; este é Javier Milei, o “libertário”; chegou Pablo Marçal, o “ex-coach”.
Nesta terça-feira, 3, a mídia brasileira poderia dizer sobre os últimos debates e entrevistas com o “ex-coach”, palavra por palavra, sem mudar nomes, como disse o Münchener Post no dia 14 de maio de 1920 sobre um ex-pintor de Viena que, em nome de “uma espécie de partido”, tipo o PRTB, andava caluniando a social-democracia e pregando o antissemitismo em Munique:
“Na terça-feira à noite, um senhor chamado Hitler falou sobre o programa desse ‘partido'”.
O jornalista Alceu Castilho fez isso, em seu perfil no Facebook: “o Roda Viva convida o senhor Hitler para ir ao programa apresentar suas propostas”. Já a Folha de S.Paulo informa que “o autointitulado ex-coach Pablo Marçal virou o novo coringa de audiência da cobertura política nas emissoras. Sua presença tem aumentado os números nas TVs”.
Não o Coringa de Joaquim Phoenix, que atira na cabeça de Robert de Niro, ao vivo, em um Talk Show, para depois literalmente cair nos braços do povo como novo mito dos que são contra “tudo isso que está aí”. Mas sim “coringa de audiência”.
“Marçal teve a sabatina mais vista da série realizada pela GloboNews, canal de notícias da Globo. A conversa foi a única a chegar na marca de 1 ponto de audiência no Ibope PNT da TV paga (o equivalente a 125 mil telespectadores no Brasil inteiro)”.
Diz a Folha que, no entanto, “diretores de jornalismo se preocupam com sua tendência de não cumprir as regras negociadas com as assessorias”.
“Marçal – segue a Folha – tem sido convidado para projetos da Globo na cobertura da eleição de São Paulo e, por enquanto, tem se comportado, tanto no ar, como fora dele. Apesar de algumas contendas acaloradas com jornalistas, as discussões não foram consideradas graves”.
Pois os diretores de jornalismo das emissoras, diante de um candidato que nega pela borda as regras básicas do jogo democrático, preocupam-se com o desrespeito às regras de debates. Pois Pablo Marçal, notório caluniador em tempo integral, “tem se comportado, tanto no ar, como fora dele”.
Tudo bem receber Marçal nos estúdios, noite afora, noites a fio, ainda que todo lambuzado de conexões com o crime organizado, porque até agora as discussões de Marçal com jornalistas “não foram consideradas graves”.
Enquanto a mídia lida assim com o senhor Hitler, “coringa de audiência”, o “ex-coach” já aparece na liderança em pesquisas para a prefeitura de São Paulo e já pode, diante da próxima torcida de nariz protocolar de um jornalista da GloboNews, já pode copiar, palavra por palavra, o pequeno balanço feito por Hitler na Hofbräuhaus no final de 1922, um século antes da era da multiplicação de seguidores no Instagram:
“Agora eles nos temem, pois nosso movimento cresce de tal maneira que não raramente ganhamos, em um dia, dez vezes mais simpatizantes do que ganhávamos, antigamente, em um ano. Por isso a choradeira com ódio, indicando que estamos no caminho certo, pois seríamos covardes e sem valor se eles nos elogiassem”.