Sobre a nota da Marinha
O comando da Marinha - o atual, "legalista" - conta com o mal de Alzheimer nacional.
A Marinha do Brasil divulgou nota nesta quarta-feira, 27, dizendo o seguinte:
“Em relação às matérias veiculadas na mídia que mencionam ‘tanques na rua prontos para o golpe’, a Marinha do Brasil afiança que em nenhum momento houve ordem, planejamento ou mobilização de veículos blindados para a execução de ações que tentassem abolir o Estado Democrático de Direito”.
“Sublinha-se que a constante prontidão dos meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais não foi e nem será desviada para servir a iniciativas que impeçam ou restrinjam o exercício dos Poderes Constitucionais”, seguiu a nota.
Com esta nota, o comando da Marinha tenta dar verniz de fake news da “extrema imprensa”, como gostam de dizer os bolsonaristas, àquilo que na verdade está na página 645 do relatório final do inquérito do golpe, encaminhado pela Polícia Federal ao STF na última quinta-feira, 21.
Trata-se de uma troca de mensagens dos dias em que a Democracia esteve por um fio. Conversam Mauro Cid e um militar identificado como “Riva”. No meio da conversa, Riva diz a Cid, referindo-se ao então comandante da Marinha, Almir Garnir: “O Alte Garnier é PATRIOTA. Tinham tanques no Arsenal prontos”.
O almirante Almir Garnier foi o único dos três comandantes de Força do fim do governo Bolsonaro indiciado pela PF no inquérito do golpe. Os outros dois, do Exército e da FAB, teriam salvado o Brasil.
PF, imprensa, Brasil parecem não ter salvado na memória que todos os três comandantes puseram suas Forças a serviço dos ataques às urnas eletrônicas - fase 1 da trama golpista - e divulgaram, em conjunto, a nota “Às instituições e ao povo brasileiro”, que jogou gasolina nos acampamentos golpistas - fase 2 - justamente no momento em que eles davam sinais de extenuação.
Agora, com a nota desta quarta, é o comando da Marinha - o atual, “legalista” - que conta com o mal de Alzheimer nacional.
Explica-se: mesmo que o almirante Garnier não tivesse um só canhão de tanque carregado e apontado para Lula no fim de 2022, há o episódio de 10 de agosto do ano anterior, 2021, quando tanques da Marinha fizeram trepidar os gabinetes da Praça dos Três Poderes no dia em que o plenário da Câmara dos Deputados votaria a PEC 135/2019 - a PEC do “voto auditável”.
Na época, o general Braga Netto, que era ministro da Defesa, fez circular em Brasília a ameaça de que sem o voto impresso não haveria eleição em 2022. Ato contínuo, a Marinha fez blindados e outros veículos bélicos circularem na Praça dos Três Poderes, no dia da votação da PEC, a pretexto de entregar a Jair Bolsonaro, em mãos, o convite para um exercício militar.
Bolsonaro recebeu o convite na rampa do Palácio do Planalto. Ao lado do presidente estavam pelo menos três generais que na última quinta foram indiciados pela PF no inquérito do golpe: Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, que na época ainda era comandante do Exército, antes de suceder Braga Netto na Defesa, de onde Paulo Sergio coordenou a campanha das Forças Armadas - todas elas - para desacreditar as urnas eletrônicas.
Estava lá também, todo sorridente, empolgado, em conversa animada com Garnier, o brigadeiro Baptista Júnior, então comandante da FAB, um dos comandantes militares que em 2022 teriam salvado o Brasil de Garnier, Paulo Sergio, Heleno, Braga Netto, Bolsonaro, do golpe de Estado.
Agora, “a Marinha do Brasil afiança que em nenhum momento houve ordem, planejamento ou mobilização de veículos blindados” contra o Estado Democrático de Direito e os Poderes Constitucionais.
Além do mais, aquele desfile de tanques e armamentos em Brasília no dia D da PEC do Voto Impresso tinha um “easter egg”: a Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE), unidade militar que foi, com tanques, com tudo, “entregar um convite a Bolsonaro”.
Em 1972, meio século antes de receber do almirante Garnier a ordem para intimidar o Congresso Nacional, a FFE recebeu ordens do Comando da Marinha para eliminar militantes da Guerrilha do Araguaia.
A FFE abriga, como parte destacada da sua estrutura, o Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais, conhecido como Batalhão Tonelero ou Comanf (Comandos Anfíbios). O Batalhão Tonelero foi criado na ditadura, em 1971, no governo Médici, na vigência do AI-5, e sua primeira formação teve oficiais oriundos do Curso de Contraguerrilha da Escola Naval.
Bope da Marinha, o símbolo do Tonelero é também à moda "faca na caveira", mas, em vez de faca, um raio perfurando o osso frontal e saindo pela mandíbula. Mais recentemente, os Comandos Anfíbios da Marinha obedeceram às ordens do general Heleno no Haiti.