Sobre Herus e caveiras
“Eu vigiei meu filho, tomei conta, fui atrás para ele não entrar para essa vida, porque eu não queria perder meu filho, não queria enterrá-lo”. Não adiantou. O Bope matou o filho dela mesmo assim.
O símbolo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro é um crânio trespassado por uma faca que entra pela mandíbula e perfura o osso frontal, com duas garruchas cruzadas ao fundo. A faca na caveira representaria “a vitória da vida sobre a morte”.
O grito de guerra do Bope é “caveira!” e de “caveira” é chamado o policial que conclui o Curso de Operações Especiais da PM do Rio. O “caveira” que concluiu o Curso de Operações Sistemáticas, última especialização do Bope, é chamado de “corvo”, ave símbolo da morte, mas a PM do Rio explica que a referência é apenas a “uma das aves mais inteligentes, que habita lugares inóspitos, hostis e sombrios”.
O brevê do Curso de Operações Sistemáticas é um corvo segurando um sabre com as garras. O sabre, segundo a PM, representa “as ações rápidas, assertivas e sigilosas”.
A sede do Bope, nas Laranjeiras, chama-se Quartel do Vale dos Ossos Secos, por causa da palavra do Senhor registrada no capítulo 37 do Livro de Ezequiel:
“Ossos secos, ouçam a palavra do Senhor! Assim diz o Soberano, o Senhor, a estes ossos: farei um espírito entrar em vocês, e vocês terão vida. Porei tendões em vocês e farei aparecer carne sobre vocês e os cobrirei com pele. Porei um espírito em vocês, e vocês terão vida. Então vocês saberão que eu sou o Senhor. Abro vossas sepulturas e vos faço sair delas. Assim é que te farei sair da sepultura, ó meu povo, e te levarei para o solo de Israel”.
Em linha reta, o Quartel do Vale dos Ossos Secos fica a menos de um quilômetro do Morro Santo Amaro, no Catete, onde o office boy Herus Guimarães foi assassinado pelo Bope na madrugada do último sábado, 7. Uma dúzia de “caveiras” amantes da vida, eventualmente alguns “corvos” assertivos, aparecem abrindo fogo no meio de uma festa junina e acertaram Herus com tiro de fuzil. Ele tinha 24 anos. Outros cinco moradores do morro foram baleados.
“O policial arrastou o meu filho pela escada, jogou o corpo do meu filho e gritou que ele era vigia [do tráfico]”, contou a mãe de Herus, Mônica Guimarães, aos prantos, num ato por justiça, por Herus, que reuniu centenas de pessoas neste domingo, 8, no Catete e na Glória, após o enterro da mais recente vítima do Bope.
No meio do ato, um homem passou de carro no meio dos manifestantes dando tiros para o alto. Era um policial civil.
“Eu vigiei meu filho, tomei conta, fui atrás para ele não entrar para essa vida, porque eu não queria perder meu filho, não queria enterrá-lo”, disse ainda Mônica Guimarães durante a manifestação.
Não adiantou. O Bope, a PM do Rio, Claudio Castro, eles mataram Herus mesmo assim e Mônica enterrou seu filho neste domingo no cemitério São João Batista, em Botafogo. Ninguém, ó meu povo, nem o Deus de Israel, fará o filho de Mônica sair da sepultura.