Sobre o Estado-Maior Conjunto do Silêncio
Como se fossem quatro, e não três - todos civis - os Poderes da República, estes sim mutuamente passíveis de freios e contrapesos.

A mídia corporativa informou nos últimos dias sobre a renovação de um “pacto de silêncio” entre o presidente Lula e os comandantes das Forças Armadas relativo ao golpe militar de 1964, com os cumprimentos do civil de quatro estrelas José Múcio Monteiro, ministro da Defesa.
Não era mentira da “Rede Goebbels” ou da “Falha de S.Paulo”: manteve-se, de fato, pelo terceiro ano consecutivo, a combinação entre o presidente da República e os comandos das Forças Singulares de juntarem-se à quietude, esta inexorável, fatal, dos mortos e desaparecidos políticos: ninguém falou publicamente em golpe ou ditadura - nem em “movimento” ou “revolução” - nas 48 horas somadas dos dias 31 de março e 1º de abril.
Funciona assim, o “pacto de silêncio”: de um lado, freio aos fogos e rojões na caserna pelo aniversário da “revolução”; de outro, o contrapeso do veto a ações e manifestações de memória crítica do golpe no âmbito do Governo Federal.
“Do lado do governo Lula, a avaliação é que a data para fazer eventos em defesa da democracia deixou de ser 31 de março e passou a ser 8 de janeiro, em referência aos ataques contra as sedes dos Poderes ocorridos em 2023”, informam os repórteres Catia Seabra e Cézar Feitoza na Folha.
Manteve-se intacto, portanto, mais uma vez, o Estado-Maior Conjunto do Silêncio sobre o golpe de 64, mesmo sob conjuntura mais que nunca favorável ao investimento na memória, ou seja, na esteira do Oscar para Ainda estou aqui, da reativação de processos sobre a interpretação da Lei de Anistia, de oficiais generais sentados no banco dos réus por tentativa de mais um golpe de Estado.
No campo democrático, há quem defenda a “prudência” do presidente Lula, dobrando a aposta de que será assim, enfileirando cauções e concessões, que serão derrotadas as forças da extrema-direita e do golpismo - e o assanhamento por uma nova anistia, aos cabeças e esbirros do 8/1. Outros, além de insistirem no contrário, ou seja, que só há chance vitória com decisão de enfrentamento, também lembram que há coisas que não deveriam sequer estar em mesas de negociação, como as homenagens aos brasileiros que tombaram na luta pela Democracia.
Já a Constituição de 1988 obriga que sejam três, não quatro - e todos civis - os Poderes da República, aqueles independentes entre si e, estes sim, mutuamente passíveis de freios e contrapesos.
Porém, por volta do meio-dia da última segunda-feira, 31 de março, o presidente Lula “quebrou o silêncio” sobre o golpe de 64 com uma postagem no Twitter/X.
Citamos:
Hoje é dia de lembrarmos da importância da democracia, dos direitos humanos e da soberania do povo para escolher nas urnas seus líderes e traçar o seu futuro. E de seguirmos fortes e unidos em sua defesa contra as ameaças autoritárias que, infelizmente, ainda insistem em sobreviver.
Não existe, fora da democracia, caminhos para que o Brasil seja um país mais justo e menos desigual. Não existe um verdadeiro desenvolvimento inclusivo sem que a voz do povo seja ouvida e respeitada. Não existe justiça sem a garantia de que as instituições sejam sólidas, harmônicas e independentes.
Nosso povo, com muita luta, superou os períodos sombrios de sua história. Há 40 anos, vivemos em um regime democrático e de liberdades, que se tornou ainda mais forte e vivo com a Constituição Federal de 1988. Esta é uma trajetória que, tenho certeza, continuaremos seguindo. Sem nunca retroceder.
Na linha Apesar de você, a postagem do presidente Lula sobre golpe de Estado, ditadura, militares, tortura, assassinatos, ocultações de cadáveres, 1964; a postagem, dizíamos, não menciona 1964, ocultação de cadáveres, assassinatos, tortura, militares, ditadura, golpe de Estado.
Quem é do copo meio cheio dirá que Lula se impôs à milicada, ainda que às meias-palavras, tipo infringindo sem arrebentar o “pacto de silêncio” relativo ao aniversário do golpe de 64. Como não há notícias de que o 31 de março/1º de abril tenha terminado com festa ou meia-festa na caserna, tipo em retaliação, pode-se dizer que, 40 anos após o fim da ditadura, não o poeta, mas o presidente da República, conseguiu driblar - ufa! - o crivo da censura.
Também queria que a ditadura pos 64 fosse lembrada com pedra e pau.
Aos Martires dela, perdoem pelo quase silêncio. Temos um 8 de janeiro a cuidar...