Tudo o que você sempre quis saber sobre o terrorista George Washington mas tinha medo de perguntar
Quando disserem a você que tudo, absolutamente tudo sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 está sendo apurado, não acredite não.

O terrorista George Washington de Oliveira Sousa - lembra dele? - assistiu a uma audiência pública no Senado - uma audiência golpista, de ataques ao sistema brasileiro de votação eletrônica -, no dia 30 de novembro de 2022, um mês após as eleições daquele ano e 24 dias antes de George Washington tentar mandar pelos ares um caminhão tanque nas cercanias do aeroporto de Brasília.
Naquele 30 de novembro de 2022, George Washington teve acesso ao Anexo II, Ala Senador Nilo Coelho, Plenário nº 6 do Senado com autorização do senador Zequinha Marinho, do Pará, estado onde fica a cidade de Xinguara, “capital do boi gordo do sul do Pará”, onde George Washington vivia e de onde George Washington saiu para lutar contra o "comunismo" no Distrito Federal.
Quem descobriu o nome do senador que deu acesso ao terrorista às dependências do Senado foi a Folha de São Paulo, com base na Lei de Acesso à Informação. Ao dar o nome do senador, a Folha informou que Zequinha Marinho era, e ainda é, do Podemos.
Zequinha, porém, era do PL de Jair Bolsonaro quando deu acesso a George Washington à mesma sala do Senado onde mais tarde transcorreu a CPMI do 8/1; sala à qual o terrorista voltaria em junho de 2023, para depor como investigado na CPMI. O senador deixou o PL no fim de maio daquele ano, alegando mudanças no regimento do partido que teriam enfraquecido os presidentes dos diretórios estaduais.
No PL, foi ele, Zequinha Marinho, o candidato de Bolsonaro ao governo do Pará em 2022, derrotado por Helder Barbalho (MDB). No governo Bolsonaro era a Zequinha que madeireiros, grileiros e garimpeiros que atuam na amazônia paraense, inclusive em Xinguara, recorriam para abrir portas em Brasília. “Chama o Zequinha” era a frase repetida pelos pecuaristas do Pará, quando queriam destruir mais um bocado na Amazônia.
O fato é que alguém também chamou o Zequinha para enfiar o terrorista George Washington de Oliveira Sousa no Senado Federal no meio da conspiração golpista de 2022. Quem? Quando foi preso, logo após a tentativa de atentado, George Washington ligou para duas pessoas: o pecuarista Bento Carlos Liebl e o empresário Ricardo Pereira Cunha.
Ricardo Cunha é dono da loja de informática USA Brasil, que fica no centro de Xinguara. A conta bancária da USA Brasil foi a destinatária dos recursos arrecadados via Pix em uma campanha de financiamento de atos golpistas promovida por ruralistas do sul do Pará após o segundo turno das eleições de 2022. Um dos ruralistas que se engajaram na campanha foi o pecuarista Enric Juvenal da Costa Lauriano, que estava presente no ataque do 8/1 à Praça dos Três Poderes.
Em Xinguara, Ricardo Cunha é visto como "uma espécie de braço-direito do Enric". Na verdade, ele parece ser uma espécie de braço-direito de uma boiada de donos de bois do sul do Pará. Em uma entrevista dada em 2021 a um canal local de Xinguara, Cunha explicou o seu papel - o de testa de ferro - na organização de uma caravana da cidade para engrossar uma manifestação bolsonarista em Brasília em maio daquele ano, e na organização da direita bolsonarista em geral na região:
"Eu apareço porque sempre tem um mais na frente. Mas a gente tem um grupo aqui, o Direita Xinguara. A nossa direita aqui, tem pessoas por trás dela. A gente conseguiu um ônibus, muito luxuoso, inclusive, de dois andares, com televisão. Quatrocentos reais a passagem ida e volta e hotel no centro de Brasília com diária de R$ 50 a R$ 100, dependendo do conforto de cada quarto".
O grupo Direita Xinguara reúne ricos fazendeiros golpistas. Na mesma entrevista, Ricardo Cunha citou várias fazendas e fazendeiros de onde vinha o financiamento para levar pessoas a Brasília - Fazenda Água Fria, Rio Maria, Zezinho Dantas, João Bueno. "Tem muita gente pesada". O último listado por Cunha não é menos importante: "até o Dr. Joel, do sindicato, muitas vezes, assim, discreto, mas é um cara que apoia também, tá firme".
Trata-se do criador de gado de corte Joel Carvalho Lobato, presidente do Sindicato Rural de Xinguara e vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, cuja missão é “representar, organizar e fortalecer os produtores e sindicatos rurais, promovendo o desenvolvimento do agronegócio no estado”.
Em março de 2023, tomou posse a nova diretoria do PL em Xinguara. Naquele feita, assumiu como presidente do PL em Xinguara o dono de bois e financiador do golpismo Enric Lauriano. Ricardo Cunha também faz parte da nova diretoria. Dois destacados políticos bolsonaristas foram a Xinguara prestigiar a posse de Cunha e Lauriano: o senador Zequinha Marinho, que introduziu George Washington no Senado - e que, na época, ainda era do PL - e o deputado federal Delegado Caveira, do PL também, a quem o terrorista, nas redes sociais, declarava admiração.
No ano passado, Ricardo Cunha foi eleito vereador em Xinguara, pelo PL de Bolsonaro. Com o nome de urna “Ricardo USA Brasil”, ele concorreu normalmente nas eleições 2024 mesmo após uma investigação da Polícia Federal mostrar que, em dezembro de 2022, o testa de ferro de pecuaristas do sul do Pará combinou com George Washington o envio “peças de caminhão” ao terrorista. Segundo um relatório policial, o terrorista confessou que isso seria um código para explosivos. Em mensagem ao terrorista, Cunha disse que tinha para ele “uma missão”.
Quanto ao Delegado Caveira, é o deputado federal que recentemente apresentou um Projeto de Lei para impedir os seguranças do presidente Lula de portarem armas de fogo. É o deputado que mais recentemente ainda apareceu, caso inédito, portanto um fuzil e uma pistola em seu gabinete na Câmara. É o deputado que aparece em um vídeo que circula no Instagram neste fim de semana arrebentando a cabeça do presidente Lula com um cone de sinalização. No vídeo, Caveira está acompanhado de um vereador de Xinguara. Ele: Ricardo Cunha.
Se você ainda tiver dificuldade de ligar o nome ao Caveira, trata-se do fiel escudeiro de Carla Zambelli, o deputado que sempre aparece atrás de Zambelli, como papagaio de pirata, nas entrevistas em que a deputada reclama de perseguição da “ditadura da toga”. Carla Zambelli tem relações com a loja de armas onde o terrorista George Washington fez compras nos meses anteriores à tentativa de explosão de um caminhão tanque no aeroporto de Brasília. A loja No Risk, de São Paulo.
Em um vídeo postado nas redes sociais da No Risk em maio de 2022, a deputada deixa um alô para Carla Vancini, dono da loja. No vídeo, Zambelli chama a xará de “Carlinha” e agradece “o carinho de você ter mandado aquela Springfield. Adorei atirar com ela”. A No Risk é "embaixadora", "loja premium partner" no Brasil de uma icônica fabricante de armas dos EUA, a Springfield Armory.
Entre o arsenal apreendido com o terrorista George Washington, quando ele foi preso, estava um fuzil AR-10 calibre 7,62 da Springfield Armory equipado com uma luneta, além de munição de sniper. Em seu site, a No Risk avisa que “atendimento pessoal somente com hora marcada”.
A Springfield Armory nem sempre foi uma uma empresa privada. Ela foi criada em 1777, durante a Revolução Americana, como depósito de armas e munições. A ordem para a criação da Springfield Armory partiu do comandante-em-chefe do Exército Continental: George Washington, o original.
Segundo Ricardo Cunha, quando ele recebeu um telefonema de George Washington, o de Xinguara, na madrugada do Natal do ano passado, o terrorista pediu para avisar à esposa de um outro deputado federal do PL, Marcos Pollon, que ele havia sido preso. Marcos Pollon é fundador do Movimento Pró-Armas, organização que é o braço CAC, por assim dizer, do bolsonarismo e tem "perigosas conexões com o agronegócio".
Em 2022, após as eleições, Pollon espalhou mensagens cifradas sobre “o que fazer” - diante da eleição de Lula, derrota de Bolsonaro - para suas dezenas de milhares de seguidores nas redes sociais, muitos deles CACs, como no vídeo intitulado “Ou ficar a pátria livre...” (com três pontinhos, com tudo), postado no YouTube no dia 1º de novembro de 2022, logo após o segundo turno.
No vídeo, o então deputado eleito pedia que sua audiência prestasse atenção no que seria dito, mas “também no que não vai ser dito”, porque, segundo ele, a hora era de “agir com inteligência e continuar mandando a mensagem de forma que dificulte os censores” - a Justiça.
“O presidente [Bolsonaro] deixou bem claro que não reconhece a higidez do processo. ‘Qual processo?’, você pergunta. Ah… O processo do Kafka! As pessoas parecem que não querem compreender o que você fala. Você explica, você desenha a explicação, explica o desenho, desenha a explicação do desenho… O que vocês esperam? Uma manifestação expressa de ruptura? Não haverá. Nem da parte do presidente, nem da minha parte, porque isso aí seria um suicídio”, disse Pollon no vídeo.
Duas semanas depois, no dia 14 de novembro de 2022, Marcos Pollon resolveu dispensar, ou quase, os rodeios. Naquele dia, Pollon reproduziu no ex-Twitter a famosa declaração de guerra de Carlos Lacerda publicada em 1950 na Tribuna da Imprensa:
“O Senhor Getúlio não deve ser candidato, se for candidato não deve ser eleito, se eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar”.
Naquele dia, naquele mesmíssimo dia, o ajudante de golpe Mauro Cid prometeu ao major do Exército Rafael de Oliveira, por WhatsApp, R$ 100 mil para hotel, alimentação e material para um punhado de kids pretos levarem a cabo a operação que seria batizada de “Punhal Verde Amarelo”, de sequestro e/ou assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
Neste sábado, 31, a revista Veja publicou uma matéria intitulada “Bolsonarista responsável por bomba em aeroporto é solto e ganha rede de acolhimento”. De progressão em progressão, dois anos e cinco meses após tentar matar centenas de pessoas em Brasília, para forçar GLO, George Washington - lembra dele? - cumpre prisão domiciliar na casa de uma mulher de 74 anos que jamais o tinha visto, e trabalha num laboratório médico que o empregou como auxiliar administrativo.
A aposentada acolheu o terrorista a pedido de um amigo. O nome do amigo? A matéria não informa, e pelo visto a Justiça tampouco quis saber. O nome do laboratório que empregou o terrorista? Tampouco é informado, como, pelo visto, tiveram medo de perguntar a George Washington a quem ele se referiu quando disse, em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, que esteve em contato com “um importante general do Exército” em meio ao plano para “dar início ao caos”.
Quando disserem a você que tudo, absolutamente tudo sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 está sendo apurado, não acredite não.
Nesta segunda-feira, 2, George Washington de Oliveira Sousa embarca para Belém do Pará, com autorização da Justiça. No momento em que Belém se prepara para receber a COP 30, o terrorista vai ficar duas semanas na capital paraense cuidando de “assuntos profissionais”.