'Um preconceito seiscentista'
É esse STF que precisamos - que remédio? - defender, contra barbárie social e política. A expressão mais alta do neoliberalismo agradece: “muito obrigado”.
Neste sábado, 1º de fevereiro, saiu neste Come Ananás um artigo da professora Sylvia Moretzsohn sobre as universidades públicas paulistas que ora se submetem à orientação da Capes de acelerar a formação de doutores e ampliar “parcerias” com empresas privadas.
No artigo, Moretzsohn resgata o exemplo dado por Marilena Chauí da ideia de “universidade operacional”, da “expressão mais alta do neoliberalismo” em termos universitários: uma tese de doutorado, em 2001, na Escola Politécnica – “um dos bastiões mais altos da engenharia brasileira”, nas palavras de Chauí –, sobre a identificação dos trajetos mais adequados para os caminhões de distribuição de garrafas de Coca-Cola.
“Isso foi uma tese de doutorado”, enfatizou Marilena Chauí.
E assim “o sonho de uma universidade capaz de ampliar horizontes e enfrentar a barbárie social e política vai desmoronando”, enfatizou Sylvia Moretzsohn.
Na repercussão do artigo nas redes sociais, nos comentários sobre o artigo, o leitor Viny Madureira resgatou um mui egrégio diálogo entre os ministros do STF Luis Roberto Barroso e Luiz Fux sobre, digamos, a mesma temática, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.102, sobre a vinculação de receitas tributárias a setores da política educacional.
Reproduzimos o diálogo abaixo.
BARROSO:
A meu ver, a universidade, em um país relativamente pobre - claro que a universidade pública precisa de verbas orçamentárias também -, tem para aonde correr e, portanto, as universidades públicas deviam superar preconceitos antigos e obterem recursos prestando consultorias, fazendo parcerias com as instituições privadas, fomentando as doações dos ex-alunos. Essa ideia de que ficar pendurado no Estado é progressista é um equívoco, ficar pendurado no Estado é a coisa mais reacionária que existe. De modo que as universidades, na sua autonomia, deveriam ser capazes de gerar receita.
FUX:
O Ministro Luís Roberto Barroso fez um destaque, aqui, que me parece muito importante, com relação a esse pudor acadêmico. O Professor Barbosa Moreira manifestava preocupação em relação ao publicismo e ao privativo do processo, porque ele tinha receio de que, um dia, em cima de uma porta de audiência, fosse anunciado assim: Esta audiência está sendo patrocinada pela Coca-Cola. Isso se adéqua bem à ideia de um poder público exercendo uma função pública, como sói ser a função jurisdicional. Mas, realmente, as universidades poderiam perder um pouco esse pudor. Na verdade, elas podem ser subsidiadas para ter uma biblioteca melhor, um corpo de ensino melhor. Inclusive, numa roda de colegas - porque, certamente, o Professor Barroso não gosta mais da UERJ do que eu, porque sou mais antigo lá -, chegou-se até a imaginar um professor ingressando numa sala de aula com algum símbolo de algum patrocínio para poder dar aula, coadjuvando a universidade pública. O que não é nada de estranho, porque, por exemplo, a Constituição Federal estabelece que a saúde é um dever do Estado e um direito de todos e, logo abaixo, permite que ela seja coadjuvada pela iniciativa privada. De sorte que, realmente, esse pudor não tem o menor sentido.
BARROSO:
Há uma certa percepção de que ter relação com o mercado, ter relação com a sociedade conspurca a autonomia da universidade. É um equívoco. Evidentemente, o que não pode ser afetada é a liberdade de cátedra. Portanto, o patrocinador da sala ou do auditório pode ser quem for, desde que o professor conserve a sua independência de pensar livremente, inclusive criticando alguma coisa relacionada a ele. Portanto, não há uma conexão. De modo que esse temor de lidar com a iniciativa privada é um temor antigo, assim, seiscentista.
FUX, empolgado:
Eu, por exemplo, não teria nenhum pudor de entrar numa sala patrocinada pelo McDonald's. É da UERJ, sala patrocinada pelo McDonald's, vamos dar aula naquela sala.
BARROSO:
Pessoalmente, eu abriria mão dessa opção, mas, ainda assim, sendo uma escolha do professor, não veria problema. O que eu penso é assim - para encerrar, Presidente: o país tem muitas demandas e poucos recursos, portanto, essas escolhas têm que ser feitas com cuidado. Quem tem para aonde correr, quem tem formas legítimas de se autossustentar deve se valer delas e deixar o dinheiro público no ensino básico, que é o ensino fundamental e o ensino médio. De modo que eu, que sou a favor da universidade pública, acho, no entanto, que ela tem que buscar caminhos para a sua autossustentabilidade, tal como Vossa Excelência e eu pensamos de maneira afinada aqui. Muito obrigado.
É esse STF que precisamos - que remédio? - defender, contra barbárie social e política. A expressão mais alta do neoliberalismo agradece: “muito obrigado”.