Uma matança após a outra
Com 117 mortos, a matança das matanças na guerra à arraia-miúda do tráfico de drogas no Rio matou mais que a soma dos mortos nas outras cinco maiores matanças policiais da história do estado.
No topo do ranking das operações policiais mais letais da história do Rio de Janeiro está, todos já sabem, a “Megaoperação Contenção”, matança — e bota matança nisso — promovida por Claudio Castro na semana passada nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, na zona norte da capital fluminense. Foram mortos durante a “megaoperação” pelo menos 117 ditos “narcoterroristas” e quatro policiais — dois civis e dois militares.
Em 2019, Wilson Witzel já dizia para quem quisesse ouvir, logo no primeiro dia do governo Witzel/Castro no Rio, que traficantes tinham de ser tratados como terroristas e “abatidos”. Antes disso, logo após a vitória da chapa Witzel/Castro nas eleições de 2018, o governador eleito já avisava que, sob seu comando, as polícias do Rio iriam “mirar na cabecinha” de quem pegasse num fuzil “e… fogo!”. Em 2020, Witzel sofreu impeachment, mas não por incitar agentes do Estado a cometer assassinatos, e Castro assumiu o Palácio Guanabara.

Com pelo menos 117 mortos, a matança das matanças na guerra à arraia-miúda do tráfico de drogas no Rio matou mais que a soma dos mortos nas outras cinco maiores matanças policiais da história do estado: Jacarezinho, em 2021 (28 mortos); Vila Cruzeiro, em 2022 (23 mortos); Vila Operária, em 1998 (23 mortos); no próprio Complexo do Alemão, em 2007 (19 mortos); e mais uma no Alemão, em 2022 (16 mortos).
Dos “abatidos” na semana passada na Penha e no Alemão, dos 115 “narcoterroristas neutralizados” na “megaoperação” e já identificados, cerca da metade não tinha contra si mandado de prisão e 17 não tinham histórico criminal. Destes 17, segundo a Polícia Civil do Rio, “12 apresentaram indícios de participação no tráfico em suas redes sociais”. O indício de participação em “narcoterrorismo” apresentado contra um dos “neutralizados” na serra da Misericórdia é uma postagem com “uma bandeira vermelha triangular em forma de emoji”.
O número de 17 mortos na “megaoperação” que não tinham anotações criminais, esse número — só ele — é maior do que o número total de mortos na matança no Alemão em 2022; na matança do Fallet/Fogueteiro, em 2019 (15 mortos numa “ação legítima da polícia para combater narcoterroristas”, nas palavras de Witzel na época); na matança em São Gonçalo/Salgueiro, em 2023 (13 mortos); e na matança em Itaguaí e Vila Ibirapitanga, em 2020 (12 mortos), para ficar apenas nas matanças perpetradas pelas polícias do Rio nos governos Witzel e Castro.
Os 17 mortos sem anotações criminais na matança levada a cabo na Penha e no Alemão, esse número — só ele — seria a quinta operação policial mais letal no Rio de Janeiro entre todas as que aconteceram no estado, em diferentes governos, antes da semana passada, ficando atrás apenas das matanças já citadas no Jacarezinho, Vila Cruzeiro, Vila Operária e no Alemão — a de 2007.
Depois da megamatança na Penha e no Alemão, o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, divulgou nota para reafirmar aos “discípulos de Cristo” que a “vida e a dignidade humana são valores absolutos”, que “a vida humana é dom sagrado de Deus e deve ser sempre defendida e preservada”.
No fim de semana, porém, o cantor gospel responsável pela matança das matanças e outras matanças em favelas na zona norte do Rio foi aplaudido de pé na Paróquia Santa Rosa de Lima, na Barra da Tijuca, zona oeste, após cantar um hino a Deus — por certo ao Deus do Velho Testamento, o das matanças — na missa pelo Dia de Finados.
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