'Uma situação muito difícil'
Poupado por Paulo Gonet na denúncia dos golpistas ao STF, Valdemar da Costa Neto pode ser investigado outra vez por organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Em novembro do ano passado, a Polícia Federal indiciou 37 pessoas no inquérito do golpe. De Jair Bolsonaro ao general Braga Netto; do general Augusto Heleno ao tenente-coronel Mauro Cid; do tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira ao presidente do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto.
Sobre Valdemar, o inquérito da PF concluiu exatamente o seguinte:
Na condição de presidente do Partido Liberal, o investigado Valdemar da Costa Neto atuou de forma dolosa no ajuizamento de “Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária” junto ao TSE pela agremiação partidária em novembro de 2022, a partir de ‘‘argumentos técnicos’’ os quais tinha ciência de que eram falsos, ou seja, sem qualquer fraude ou irregularidade no sistema das urnas eletrônicas que comprometesse o pleito realizado em outubro de 2022.
Os elementos probatórios coletados ao longo da investigação demonstraram atuação coordenada dos membros da organização criminosa, evidenciando que as pessoas que estavam trabalhando para o IVL e o PL também abasteciam com informações falsas influenciadores, como o argentino Fernando Cerimedo, para propagarem fake news sobre as urnas eletrônicas, no sentido de incitar a população contra o resultado das eleições presidenciais de 2022, como forma de dar aparente apoio popular ao golpe.
Nesse contexto, restou evidenciado que Valdemar da Costa Neto não apenas tinha ciência da elaboração do relatório com dados falsos sobre as urnas eletrônicas, mas também foi um dos responsáveis, justamente com Jair Bolsonaro, por tomar a decisão de divulgar o conteúdo falso que subsidiou a Representação Eleitoral do PL.
O inquérito foi então para a Procuradoria-Geral da República. Em fevereiro, o procurador-geral Paulo Gonet apresentou denúncia dos golpistas ao Supremo Tribunal Federal. Na denúncia, Gonet acrescentou cinco nomes que não tinham sido indiciados pela PF, com destaque para o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques. Por outro lado, dos 37 indiciados pela PF, 10 ficaram de fora da denúncia de Gonet, com destaque para Valdemar da Costa Neto, ainda que tenha ficado “de dentro” o presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha.
No último 3 de setembro, este Come Ananás publicou um artigo intitulado “Poupado por Gonet, Valdemar confessa má-fé em acusações do PL contra as urnas eletrônicas”. Naquele dia, Valdemar da Costa Neto admitiu num estúdio de TV, ao vivo, que foi mesmo por má-fé — ou, como disse a PF no inquérito do golpe, “de forma dolosa” — que ele contestou formalmente no TSE o resultado da eleição presidencial de 2022, lançando acusações contra as urnas eletrônicas em conluio com o Instituto Voto Legal e um tal “gênio de Uberlândia” com o objetivo de preparar o terreno para a tentativa de golpe de Estado.
“Eu sempre acreditei nas urnas. Fiz aquela contestação porque eu estava em uma situação muito difícil…”, disse Valdemar, candidamente, diante de jornalistas que não mexeram um músculo da face.
Nesta terça-feira, 21, no julgamento dos réus do Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral, o ministro relator da ação penal, Alexandre de Moraes, defendeu que Valdemar da Costa Neto volte a ser investigado por organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito no caso de Carlos Rocha ser condenado pelos mesmos crimes.
Afinal, condenar o presidente do Instituto Voto Legal e ficar assistindo na TV ao presidente do partido que o contratou confessar dolo em tentativa de anular a eleição de 2022 seria algo à moda Luiz Fux, ou seja, algo como condenar o ajudante de ordens Mauro Cid e absolver Jair Bolsonaro.
No fim da tarde desta terça, a Primeira Turma do STF formou maioria para condenar todos os sete réus do Núcleo de Desinformação. Entre eles, o engenheiro Carlos Rocha. Valdemar da Costa Neto, agora sim, está em “uma situação muito difícil”.