Vide bula: reações psicológicas comuns em 'lideranças de perfil conservador'
Um torturou o “equipamento 85916-5” com um maçarico e depois meteu atestado de interação medicamentosa. O outro, seu vice, diz que não planejou dar golpe nenhum; apenas levou seu cão pra passear.
Depois que deixou a presidência da República, Jair Bolsonaro disse que postou ataques ao sistema eleitoral brasileiro porque estava sob efeito de morfina e que dormiu duas noites na embaixada da Hungria, no meio do carnaval, para fazer contatos com “lideranças estrangeiras alinhadas com o perfil conservador”. Agora, Bolsonaro diz que torturou o “equipamento 85916-5” com um maçarico por motivo de reação incomum a interação medicamentosa, e não por motivo idêntico ao da maloca húngara — tentar fugir.
É que a covardia é mesmo uma característica moral das lideranças e de certos liderados “alinhados com o perfil conservador”. Está na bula.
Em março de 2021, o então assessor especial da presidência da República Filipe Martins deixou-se filmar pela TV Senado fazendo um conhecido gesto supremacista branco: os dedos do meio, médio e mindinho esticados para formar a letra “W” e a ponta do polegar unida à do indicador para forma a letra “P” — White Power (Poder Branco). À Justiça, porém, Martins afirmou que não fez gesto racista coisa nenhuma; que apenas ajeitou a lapela do paletó.
Três anos depois, em março do ano passado, quando o general Freire Gomes foi indagado pela Polícia Federal sobre o que pretendiam os comandantes das Forças Armadas ao assinarem e divulgarem a carta “Às instituições e ao povo brasileiro” logo após a eleição de Lula em 2022, com o Brasil infestado de acampamentos golpistas na frente dos quartéis, o então comandante do “invicto Exército de Caxias” respondeu que o objetivo era “passar uma mensagem de pacificação à população e às instituições”.
Que a nota enfileirasse “recados” ao STF, TSE e Alexandre Moraes, citando “ações condenáveis de indivíduos ou entidades que alimentem a desarmonia na sociedade”, reclamando “atenção às demandas legais e legítimas da população”, instruindo sobre “a importância da independência entre os poderes” e falando em “corrigir descaminhos autocráticos”; que a nota terminasse ameaçando com o “cumprimento das nobres missões de soldados brasileiros” quem tentasse mandar para casa os que pediam golpe na frente dos quartéis, talvez isso tenha sido também efeito de remédio para soluço misturado com inibidor para fobia social.
Ainda no ano passado, pouco depois de o general Braga Netto ser indiciado por tentativa de golpe de Estado e pouco antes de o general ser preso por obstrução da Justiça, o jornalista Lauro Jardim publicou no jornal O Globo aquilo que Braga Netto dizia “a aliados” sobre o plano para o triplo assassinato de Lula, Alckmin e Moraes ter sido traçado em seu apartamento: “o general tinha o hábito de descer com o cachorro de duas a três vezes ao dia, nos arredores do prédio, onde costumava se encontrar com colegas de farda”.
Ou seja: no privado, Braga Netto chamou o general Freire Gomes de “cagão” porque “omissão e indecisão não cabem a um combatente”, mas, apertado, espalhou na imprensa que ele próprio não planejou matar ninguém nem dar golpe nenhum; apenas levou o totó pra passear.
Dos 111 deputados que participaram do motim de agosto deste ano no Congresso Nacional, o bolsonarista e líder armamentista Marcos Pollon foi o último a deitar a baioneta, ou melhor, o último sequestrador do plenário da Câmara a desocupar as cadeiras da Mesa Diretora da Casa. Depois do putsch, Pollon, que costuma dizer que “minha mãe pariu um homem”, saiu-se com essa: “sou autista e não entendi o que estava acontecendo”.
Já Alexandre Ramagem acaba de meter um atestado de “ansiedade generalizada” para pedir afastamento da Câmara dos Deputados e meter o pé para o estrangeiro. O atestado data de 9 de setembro, dois dias antes de Ramagem ser condenado a 16 anos de prisão por organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Como Eduardo Bolsonaro, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência fugiu para os EUA, terra da CIA e do crítico, escritor e jornalista Ambrose Bierce, autor de uma célebre definição do covarde: “alguém que, numa situação perigosa, pensa com as pernas”.



