Vírus, fungos e bactérias. Valério, Rogério e Aziz
Sobre a sessão de apedrejamento misógino-desmatador de Marina Silva por dois senadores do Amazonas e um de Rondônia que formaram quadrilha na Comissão de Infraestrutura do Senado.

“Vi 15 mil pessoas morrerem na minha cidade por falta de oxigênio porque a BR-319 não estava asfaltada”, disse nesta terça-feira, 27, o senador Omar Aziz (PSD-AM), antes de acusar a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de “atrapalhar o desenvolvimento do país” e abrindo os trabalhos da sessão de apedrejamento misógino-desmatador de Marina por dois senadores do Amazonas e um de Rondônia que formaram quadrilha na Comissão de Infraestrutura do Senado.
Além de Aziz, Plínio Valério (PSDB-AM) e Marcos Rogério (PL-RO). Na semana passada, os três votaram a favor do PL da Devastação.
Voltando ao que disse Omar Aziz para Marina Silva e para o país: na pandemia, muitas pessoas morreram desnecessariamente de covid em Manaus porque Jair Bolsonaro afirmou, na época, que não era responsabilidade do Governo Federal mandar oxigênio para o Amazonas; porque a Força Aérea Brasileira, “asas que protegem o Brasil”, fez cu doce para arranjar aviões que levassem oxigênio de Porto Velho; porque o general Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde, sabia do colapso do sistema de saúde amazonense 10 dias antes da tragédia e nada fez; porque Pazuello, quando questionado sobre a demora para apresentação de um plano de vacinação contra a covid, disse: “pra quê essa ansiedade, essa angústia?”.
E porque “o Ministério da Infraestrutura, sob o comando de Tarcísio, e o Ministério da Saúde, sob Pazuello, orquestraram a estratégia mais longa e mais cara para levar oxigênio para Manaus, o que custou centenas de vidas”.
É o que diz o biólogo Lucas Ferrante, autor de um estudo que demonstrou que Tarcísio de Freitas e Pazuello poderiam ter enviado cilindros de oxigênio a Manaus pelo rio Madeira, em viagem que duraria 30 horas, mas decidiram mandá-los de caminhão, via BR-319, no período de chuvas, mesmo sabendo que metade dos 900 quilômetros da rodovia não tinha asfaltamento. O resultado foi que a viagem demorou três vezes mais do que seria possível viabilizar a barco: 96 horas que para muitos manauaras resultaram fatais.
“Vossa Excelência é um oportunista, e um oportunista pequeno”, disse Omar Aziz ao senador Eduardo Girão (Novo-CE) exatamente quatro anos atrás, no fim de maio de 2021, numa sessão da CPI da Pandemia, da qual Aziz era presidente. Nesta terça, na sessão de apedrejamento de Marina Silva no Senado, ninguém, nenhum senador governista, animou-se para dirigir as mesmas palavras a Omar Aziz.
Mas isso nem é o mais interessante, por assim dizer, sobre a adesão de Omar Aziz, provável candidato de Lula ao governo do Amazonas em 2026, à mentiras bolsonaristas sobre a pandemia e ao mais rasteiro negacionismo científico.
Um outro estudo de Lucas Ferrante, este em parceria com o ecólogo Guilherme Becker e publicado em fevereiro do ano passado na revista Nature, mostra que um eventual asfaltamento do trecho do meio da BR-319, como Aziz quer, arrisca “propiciar saltos zoonóticos que podem resultar em uma sequência de pandemias”, já que “este bloco da floresta é o maior reservatório de patógenos do nosso planeta, tais como vírus, fungos, bactérias e príons”.
Novas pandemias: é o que o ex-presidente da CPI da Pandemia quer, além de voltar ao governo do Amazonas, quando diz, na frente de uma das mais respeitadas ambientalistas do planeta, que os amazonenses “queremos o direito de passear” numa veia de 900 quilômetros aberta pela ditadura no que há de mais preservado em floresta amazônica e que hoje corta 69 Terras Indígenas e 42 Unidades de Conservação.
Novas pandemias: é o que o ex-presidente da CPI da Pandemia quer, e ele não é o único.
PL da Estrada do Desmatamento
Na mesma Comissão de Infraestrutura do Senado, está na marca do pênalti, para votação, o Projeto de Lei 4994 de 2023, que classifica a BR-319 como “infraestrutura indispensável à segurança nacional”. O projeto chegou ao Senado após ser aprovado na Câmara sob regime de urgência, em nove minutos e precisamente às 23h35 do dia 19 de dezembro de 2023, por 311 votos a 103 e sob gritos de “Viva o Norte!”.
Na Câmara, o relator do PL 4994/2023 foi o deputado bolsonarista Capitão Alberto Neto (PL-AM). Na Comissão de Infraestrutura do Senado, o relator é o petista Beto Faro (PT-CE). Mas não fez diferença: como o relatório de Alberto Neto, o parecer de Beto Faro é pela aprovação de que a estrada do desmatamento, a estrada de Omar Aziz, seja declarada “indispensável à segurança nacional” e, portanto, seja concluída.
Nesta terça, Beto Faro estava presente na sessão de apedrejamento misógino-desmatador de Marina Silva na Comissão de Infraestrutura. Entrou mudo, calado saiu. Depois, o “primeiro ribeirinho no Senado Federal” manifestou solidariedade à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, não sem marcar posição de que “eu mesmo tenho posições em alguns aspectos diferentes da ministra”.
Relator do PL da Estrada do Desmatamento, alinhado ao projeto considerado por cientistas vetor de destruição da Amazônia, Beto Faro é ao mesmo tempo relator da Subcomissão Temporária do Senado para Acompanhamento dos Preparativos da COP 30, em Belém do Pará. Como outros petistas acometidos de “ambiguidade ambiental”, o senador anda por aí derramando-se em juras de compromisso com a “preservação do bioma amazônico e de suas diversidades étnica e biológica” e com “ações de restabelecimento da estabilidade do clima”.