Máfia, metanol, management: os alquimistas estão aí faz tempo
Uma Faria Limer que confabulou com Ciro Nogueira contra o governo Lula também atuou com o senador, anos atrás, em favor de uma empresa que viria a integrar o esquema PCC/combustíveis/Faria Lima.
Uma testemunha da operação Carbono Oculto afirmou à Polícia Federal e ao ICL Notícias que o senador Ciro Nogueira recebeu propina para defender no Senado e na Agência Nacional do Petróleo (ANP) interesses da organização mafiosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Come Ananás identificou que, além disso, Nogueira atuou junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2021 em favor de um grande devedor contumaz que mais tarde viria a fazer parte do esquema PCC/combustíveis/Faria Lima. E o senador não foi o único.
Devedor contumaz é uma pessoa jurídica que usa a inadimplência fiscal como parte do próprio modelo de negócio. Foi justamente com base nesta artimanha que o esquema PCC/combustíveis/Faria Lima foi estruturado, da gasolina adulterada com metanol à lavagem de dinheiro com ajuda de gestoras de Wealth Management (“gestão de patrimônio” e “planejamento tributário” para super-ricos).
Ciro Nogueira teria recebido propina dos mafiosos “Primo” e “Beto Louco”, donos das duas principais empresas de combustíveis envolvidas no esquema, a Copape e a Aster. O pagamento teria sido para atrapalhar o andamento no Senado de um projeto de lei que tipifica e pune o devedor contumaz e para agir na ANP após a agência cassar as licenças das duas empresas, em julho de 2024.
No Senado, Ciro Nogueira de fato irritou o setor de combustíveis ao apresentar emendas ao PL do Devedor Contumaz quando o projeto estava em vias de ser votado, em junho do ano passado. As empresas do setor tinham interesse na aprovação do projeto devido à concorrência desleal dos devedores contumazes de impostos. As emendas de Nogueira, que eram no sentido de excluir o setor de combustíveis do escopo do PL, foram rejeitadas. O PL do Devedor Contumaz só foi votado, e aprovado, na última terça-feira, 2, após a deflagração da Carbono Oculto. Na ANP, a cassação da Copape/Aster nunca foi revertida.
Segundo a Carbono Oculto, o sucessor da Copape e da Aster no esquema PCC/combustíveis/Faria Lima, após a ANP cassar as licenças das empresas de “Primo” e “Beto Louco”, foi o grupo Refit, antiga refinaria de Manguinhos, por meio da Rodopetro Distribuidora. O grupo Refit é um dos maiores devedores contumazes do Brasil, com dívidas bilionárias de ICMS. O dono da Refit, Ricardo Magro, é próximo a Ciro Nogueira.
Na última segunda-feira, 1º, Come Ananás mostrou que em maio do ano passado, pouco antes de Ciro Nogueira apresentar emendas supostamente pró-máfia ao PL do Devedor Contumaz, o senador participou de um jantar em Nova York oferecido pela Gulf Oil Brasil. No Brasil, a rede de postos Gulf opera em parceria com a Refit, vendendo combustíveis de Ricardo Magro. Comentando a sucessão da Copape/Aster pela Refit no esquema mafioso, um promotor do Gaeco que participa da Carbono Oculto afirmou ao Metrópoles que no esquema PCC/combustíveis/Faria “não existem inimigos, só interesses”.
Na matéria de segunda sobre Ciro Nogueira e o esquema PCC/combustíveis/Faria Lima, Come Ananás lembrou que meses atrás o senador foi flagrado em complô com Faria Limers contra o governo Lula, em reunião realizada no auditório do BTG Pactual no dia 31 de março, data alvissareira para conspirações.
Naquele dia, quem dividiu com Nogueira o protagonismo do conciliábulo foi a presidente do Conselho da Legend Invest, Daniella Marques, ex-sócia de Paulo Guedes na Bozano Investimentos. No governo Bolsonaro, Daniella ocupou vários cargos de relevo no Ministério “da Economia” antes de ser alçada à presidência da Caixa, em julho de 2022, substituindo o abusador Pedro Guimarães e para fazer uso eleitoral do banco público em favor da reeleição de Bolsonaro.
Há quatro anos, em 2021, saiu discretamente no jornal O Globo uma notinha informando que um senador do PP e uma assessora de Paulo Guedes tinham pressionado o Cade pelo arquivamento de uma investigação contra a Refit e a Rodopetro por prática anticoncorrencial via sonegação contumaz de impostos. O processo, que foi mesmo arquivado, incluía ainda as distribuidoras 76 Oil, ligada ao grupo Refit, e a Minuano Petroleo.
A Minuano tinha como sócio Rodrigo Luppi, que é filho de Dirceu Luppi, conhecido como Major Dirceu. Pai e filho foram apontados pela CPI dos Combustíveis na Câmara, em 2003, como os “maiores adulteradores de combustíveis do país”. Atualmente, a empresa está em nome de Roxane Arleze Luppi De Oliveira, mãe de Rodrigo e esposa de Dirceu. A Minuano é uma subsidiária do grupo Canabrava, hoje em recuperação judicial após ser alvo de processos por fraude fiscal, lavagem de dinheiro e adulteração de combustíveis. Em 2016, a ANP encontrou 16 milhões de litros de etanol da Canabrava misturados à moda PCC: com metanol.
O nome do senador do PP que atuou pela Refit, Rodopetro, 76 Oil e Minuano no Cade é Ciro Nogueira Lima Filho. O nome da então assessora de Paulo Guedes que também atuou no Cade por devedores contumazes e alquimistas de metanol é Daniella Marques Consentino.
Na última terça-feira, 2, ao culpar o governo Lula pela acusação de ter recebido propina do PCC, Ciro Nogueira antecipou o que já se suspeitava: o “desembarque” do PP da “base aliada” do governo. “Primo” e “Beto Louco” estão foragidos. Suspeita-se que os mafiosos sem mandato já tenham desembarcado em alguma base aérea no exterior.