Nísia fora: só não diga que não foi para acomodar o Centrão
Entre os apoiadores do governo há três diferentes tipos de aperto no coração diante da demissão de Nísia Trindade do Ministério da Saúde: revolta, fatalismo e pesarosa concordância.

O presidente Lula demitiu Nísia Trindade do Ministério da Saúde nesta terça-feira, 25, e entre os apoiadores do governo há três diferentes tipos de aperto no coração: revolta, fatalismo e pesarosa concordância.
A revolta, que parece ser o sentimento prevalecente, é porque Lula permitiu a fritura em praça pública de um quadro altamente qualificado da saúde pública brasileira que, antes de assumir o ministério, vinha de resistir à frente da Fiocruz durante todo o desgoverno Bolsonaro, fazendo da fundação uma trincheira contra o negacionismo na pandemia/genocídio, em contraponto ao próprio Ministério da Saúde então comandado pelo general Eduardo Pazuello e, depois, pelo médico do coração Marcelo Queiroga.
(Aliás, em janeiro de 2021, no meio da pandemia/genocídio, Bolsonaro poderia ter se livrado de Nísia Trindade, mas o genocida respeitou - logo quem não respeita nada, nem ninguém - a classificação da lista tríplice das eleições internas da Fiocruz, que teve Nísia em primeiro lugar, e a reconduziu à presidência da fundação, contrariando pressões internas do bolsonarismo. Nem Bolsonaro demitiu Nísia Trindade).
O fatalismo diante da demissão de Nísia é porque Nísia não é quadro político-partidário e o ministro - ou ministra - da Saúde, posto que da saúde, precisa, também ele - ou ela -, atender às demandas por vezes inconfessáveis da pequena política.
Já a concordância com a demissão da ministra da Saúde é porque o quadro da gestão técnica de Nísia Trindade na Saúde não foi exatamente uma obra-prima, apresentando problemas principalmente no referente a vacinas, ainda que Nísia tenha sido demitida por Lula horas após anunciar, ao lado de Lula, a incorporação ao SUS da primeira vacina nacional contra a dengue.
Mas há ali, entre entre o átrio direito e a veia cava superior, um ponto de consonância entre os três sentimentos, tão representativo da política reduzida ao “menos pior”: pelo menos, menos mal, Nísia não foi, não teria sido sacrificada para acomodar o Centrão, já que o Ministério da Saúde ficou com o médico do PT Alexandre Padilha, que assim deixa a Secretaria de Relações Institucionais.
Para o lugar de Padilha nas Relações Institucionais, os mais cotados são os expoentes do Centrão Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara dos Deputados, e Antonio Brito, líder do PSD na Casa; o cortejador do Centrão Jacques Wagner (PT-BA); e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), aquele que se atreve a dar declarações públicas de que as pautas mais caras às forças do boi, da bala e da Bíblia - as forças da reação, as forças do Centrão -, como os ataques ao direito ao aborto, não são “assunto do governo”.
Isso sem contar que o maior fritador de Nísia Trindade nesses dois anos e pouquinho de governo, Arthur César Pereira de Lira, o César do Centrão, é nome dado como certo na reforma ministerial que começou nesta terça com a defenestração de Nísia Trindade do Governo Federal.
Então, sinta no lado esquerdo do peito quaisquer batidas cordiais de autoengano; diga o que quiser, só não diga que Nísia Trindade não foi defenestrada para acomodar o Centrão.
Oi Hugo, concordo com você. Tenho lido o que posso a respeito: estando longe do Brasil há anos, tenho dificuldade em acompanhar processos cuja visibilidade compete com as questões urgentes, e essas se multiplicam. Assim, quando li hoje sobre a demissão, foi surpresa e estranhamento, pois o que eu "vi" (como se vê as coisas que são importantes, mas não estão debaixo do nariz) foi Nisia bancando o mais importante enfrentamento ao bolsonarismo durante a pandemia. A atuação dela foi comentada em âmbito internacional.
Fui tentar entender. Eu trabalhei com a Nisia há uns 30 anos, quando ela ainda encabeçava a Casa de Oswaldo Cruz, e acompanhei a carreira dela depois que nossos caminhos bifurcaram. Não endendi muito bem o fundamento das críticas a ela quanto à comunicação pública. Ora, se é uma questão de comunicação, ou de acertos, jogos de interesse, me parece que seria um ítem secundário e corrigível com medidas internas.
Continuo achando que a história não está bem contada, e que, sim, alguma coisa boa e importante ela fez para deixar desconfortáveis centrão e liberais enturmados.
Prezado Hugo, permita-me, respeitosamente, discordar.
O Brasil é o único país do mundo obrigando vacinas covid em crianças de 6 meses a 5 anos. Tem noção do peso desse argumento?
Deixa eu ir mais longe. Enquanto o Brasil obriga, países como Alemanha, Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Suíça, sequer recomendam para crianças saudáveis. Apenas para uma ou outra, muito doente, depois de um exame médico rigoroso. E mesmo assim, só recomendação, sem ser obrigatório. Pais escolhem se sim ou não.
Ou seja, Nísia transformou o Brasil em desova de produtos farmacêuticos rejeitados pelo mundo. Isso atende interesses de quem?
Ninguém comenta sobre isso. É algo que me impressiona. Devido as palhaçadas do bozó, o assunto ficou assim, sob uma névoa, onde a esquerda, para ser do contra, virou defensora dos lucros de grandes corporações imperialistas farmacêuticas. Aquelas, que até 2019, olhávamos como o que realmente são: capitalistas inescrupulosos que nunca se importaram com nossa saúde.
Ou seja, a esquerda, a partir da pandemia, esqueceu sua principal essência: seguir do dinheiro.
Convido-o a ler:
https://filiperafaeli.substack.com/p/os-que-defendem-obrigatoriedade-das