'Novo Jardim de Alah': no Rio, quem é que pode passar bem hoje em dia?
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes privatizou, desculpe, concedeu por 35 anos o Jardim de Alah ao empresário que transformou outro ícone da cidade, o Cine Roxy, em casa de shows pega-turistas.
Em meados do ano passado, o empresário que é “dono de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio de Janeiro” deu ao jornalista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, a honra de anunciar o seu mais novo empreendimento na cidade: a versão carioca do parque Space Adventure, “uma franquia oficial da Nasa” que existe desde 2023 em Gramado, na Serra Gaúcha, e que no Rio terá lugar no Porto Maravilha.
No Porto Maravilha de Eduardo Paes, ali pertinho de onde 500 crianças, a maioria pretas, vivem entre ratos, esgoto transbordando, em construções precárias e excluídas dos projetos de intervenção urbana que há anos vêm sendo feitos na Zona Portuária do Rio, como mostrou a jornalista Selma Schmidt também em meados do ano passado, também no Globo.
“Uma franquia oficial da Nasa” no Porto Maravilha, este “lugar-síntese” da conjugação dos interesses dos ricos nativos e estrangeiros, desde a acumulação primitiva de capital até o capitalismo financeirizado dos dias que correm, como destacou Ricardo Antunes na apresentação ao livro “Um porto no capitalismo global”, de Guilherme Leite Gonçalves e Sérgio Costa e sobre o Porto Maravilha de Eduardo Paes.
Também no ano passado, o “dono de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio de Janeiro”, o empresário Alexandre Accioly, comemorou a notícia do que ele chamou de “mais um projeto espetacular do nosso prefeito Eduardo Paes”: uma nova orla na Zona Portuária, com um novo píer para atracação de cruzeiros e praças flutuantes temáticas. A notícia foi dada no mesmo O Globo e a matéria era de Selma Schmidt, a mesma que informou sobre centenas de pretinhos pobres expostos a maus-tratos e violência sexual nas cercanias do Porto Maravilha.
Quem sabe algum outro rico nativo ou forâneo já não tem em mente, depois da “franquia oficial da Nasa”, uma praça flutuante temática de alguma vinícola escravocrata da Serra Gaúcha para atender aos desembarcados dos navios de cruzeiro, ali, no Porto Maravilha de Eduardo Paes; na região da Pequena África, do Cemitério dos Pretos Novos, do Cais do Valongo para desembarque dos pretos dos navios negreiros.
Corta para Copacabana: “O Roxy continuará sendo cinema”, cravou o jornal O Globo - de novo O Globo - há quase quatro anos, no dia 17 de junho de 2021: “a Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu preservar o ramo de atividade do Cine Roxy, em Copacabana, na Zona Sul, incluindo-o no Cadastro dos Negócios Tradicionais e Notáveis da Cidade”.
“Na prática, isso significa que qualquer modificação no negócio, inclusive no ramo de atividade ao qual ele pertence, precisa ser autorizada pela prefeitura”, dizia ainda a matéria.
Logo depois, o “dono de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio” alugou o Roxy junto ao Grupo Severiano Ribeiro, junto com um sócio. No ano passado, eles abriram no lugar do antigo Cine Roxy, inaugurado em 1938, uma casa de shows pega-turistas chamada Roxy Dinner Show. O ingresso para o jantar com o show “Aquele Abraço”, carregado de estereótipos, chega a custar R$ 790, mas dá direito a amuse-bouche…
Estiveram na inauguração do cantor Belo a Gilberto Gil; de Claudio Castro a Marcelo Freixo. Hoje, o jornal O Globo, em vez de agir como jornal no caso Roxy, dá a seus assinantes desconto de 10% em até dois ingressos para o Roxy Dinner Show, para a “viagem pelas tradições brasileiras” prometida pelo empresário que afirma: “quero que o Rio vire uma Broadway”.
Além do Roxy, Alexandre Accioly e o mesmo sócio “alugaram” ainda um outro ícone do Rio de Janeiro inaugurado em 1938, e desta vez diretamente com Eduardo Paes: o Jardim de Alah.
Tombado como Patrimônio Histórico Municipal, o Jardim de Alah é um parque público de 93 mil metros quadrados cortado por um canal que liga a Lagoa Rodrigo de Freitas ao Oceano Atlântico. O parque divide os bairros elegantérrimos de Ipanema e do Leblon. O Jardim de Alah foi completamente abandonado por Paes, que depois privatizou, desculpe, concedeu-o por 35 anos para o consórcio Rio+Verde, encabeçado por Accioly, sob o arrazoado de que não havia dinheiro para resgatá-lo do… completo abandono.
O projeto vencedor da concessão para “revitalização” do Jardim de Alah é um projeto, na verdade, de exploração do parque mediante a construção de um grande, imenso complexo comercial. Segundo Accioly, é coisa para deixar o “ultracool” Mercado da Ribeira, em Lisboa, “no chinelo”.
Tal e qual o Roxy, declarado “Negócio Tradicional e Notável da Cidade” mas que nunca mais exibiu um filme, apenas shows para a gringa sobre a “cultura vibrante do Brasil”, com homens vestidos de mensageiro de hotel e mulheres com turbantes de penas de arara.
Não obstante seu nome evocativo das melhores intenções do mundo, o consórcio Rio+Verde deu início aos trabalhos requisitando à Prefeitura autorização para o corte de 130 árvores do Jardim de Alah. Senão, como 30 restaurantes de experiência única, um montão de lojas incríveis, um mercado selezione e outras gourmetizices privadas que tais poderiam criar raízes em espaço público?
Nesta semana, em nome da “revitalização” do Jardim de Alah, a Prefeitura do Rio autorizou o desmate, chamado pelo consórcio muito dramaticamente, muito comicamente de “supressão de 130 indivíduos”.
E não vamos esquecer as cabines “elegantérrimas”, palavra usada pelo dono de tudo, ou melhor, de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio, para descrever as futuras cabines de segurança privada do “novo Jardim de Alah”. E, para chegar a bom entendimento com os pobres, o “novo Jardim de Alah” terá uma creche para as crianças da Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional popular, de pobres, cravado numa novela de Manoel Carlos, digo, no Leblon, bem ao lado do parque.
Não obstante, a última das Helenas lebloninas de Manoel Carlos, a atriz Julia Lemmertz, é uma das figuras de expressão pública que vêm atuando publicamente contra este “absurdo completo”: o “novo Jardim de Alah”.
O Jardim de Alah se chama assim por causa de um filme estadunidense com esse nome estrelado por Marlene Dietrich e que fez muito sucesso no Rio pouco antes da inauguração do parque, há quase um século. Mais tarde, bem mais tarde, em 1988, foi o jardim que deu nome a outro filme, desta vez um filme brasileiro, “Jardim de Alah”, de David Neves. O filme ganhou o prêmio do júri do Festival de Gramado em 1989, mais de 30 anos antes da inauguração da “experiência Nasa” na Serra Gaúcha.
Na primeira cena do filme, quem fala é a escultura “Mulher e Felino”, que fica na praça Praça Almirante Saldanha da Gama, uma das três praças do Jardim de Alah:
“Aí estou eu: a pobre estátua branca, em repouso eterno no jardim. Já tive meus dias de glória, mas hoje, sem braço e sem nariz, não passo de uma simples observadora da comédia humana, sem compromisso com coisa alguma. Daqui do meu ponto, observo os humanos que circulam pelas imediações. Não digo que chego a gostar deles, mas também não desgosto. Eles podem ter as melhores intenções do mundo, mas se tornam perigosos quando não conseguem obter o que desejam. E estão sempre desejando coisas. Pescadores ansiosos para terem nas mãos os peixes que cobiçam. É assim que eles são: ávidos, desajeitados, geralmente cômicos. Ah, não podemos esquecer os pobres. Eles andam por aí aos montes, aparentemente livres e à vontade, como se já tivessem chegado a bom entendimento com os ricos, o que evidentemente não é verdade. Que o digam os zelosos e bem armados partidários da eterna vigilância”.
Na sequência, uma mulher de carne e osso conversa com um homem sobre um doido de pedra que tinha acabado de trepar em uma das árvores do jardim, quem sabe uma daquelas que o consórcio Rio+Verde vai agora passar na motosserra.
O nome do homem é Alah, interpretado por Grande Otelo. Foi o último filme de Grande Otelo.
“Será que ele está passando mal?”, pergunta a mulher, sobre o doido.
Alah dá uma risada e responde:
“Quem é que pode passar bem hoje em dia?”
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Com todo respeito e imparcialidade, mas hoje não gostei da coluna!
O texto apresenta diversos exemplos de desonestidade intelectual, caracterizados por manipulação de informações, omissão de fatos relevantes e uso de linguagem tendenciosa para construir uma narrativa que atende a um objetivo específico:
1. Seleção tendenciosa de fatos:
* O autor destaca a proximidade entre o novo empreendimento no Porto Maravilha e a área de pobreza, sugerindo uma exploração da miséria alheia. No entanto, não apresenta um contexto completo sobre os projetos de revitalização da área portuária, que buscam justamente promover o desenvolvimento social e econômico da região.
* A crítica à transformação do Cine Roxy em casa de shows ignora a possível inviabilidade econômica do cinema e a necessidade de adaptação a novas demandas culturais.
* A concessão do Jardim de Alah é apresentada como privatização, omitindo o fato de que o parque continuará sendo público, e que a concessão busca justamente revitalizar um espaço degradado.
2. Linguagem tendenciosa e emotiva:
* O autor utiliza expressões como "dono de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio de Janeiro", "franquia oficial da Nasa" e "mais um projeto espetacular do nosso prefeito Eduardo Paes" de forma irônica e depreciativa.
* A descrição das crianças que vivem na pobreza como "pretinhos pobres expostos a maus-tratos e violência sexual" busca gerar comoção e indignação, sem apresentar dados ou fontes que comprovem a veracidade das acusações.
* A comparação do novo empreendimento no Jardim de Alah com o "ultracool" Mercado da Ribeira, em Lisboa, e a descrição dos shows no Roxy como "para a gringa" revelam um tom xenófobo e elitista.
3. Omissão de informações relevantes:
* O texto não menciona os benefícios potenciais dos projetos de revitalização, como a geração de empregos, o aumento do turismo e a melhoria da infraestrutura urbana.
* A crítica à concessão do Jardim de Alah ignora os investimentos necessários para a revitalização do parque e a necessidade de parcerias com a iniciativa privada para viabilizar projetos de grande porte.
* A menção ao filme "Jardim de Alah" e à fala da escultura "Mulher e Felino" busca criar uma conexão emocional com o leitor, mas não apresenta argumentos sólidos contra o projeto de revitalização do parque.
4. Generalizações e estereótipos:
* O autor generaliza a figura do empresário Alexandre Accioly como "dono de quase tudo nas áreas mais nobres do Rio de Janeiro", sugerindo uma concentração excessiva de poder e riqueza.
* A descrição dos shows no Roxy como "carregado de estereótipos" e com "homens vestidos de mensageiro de hotel e mulheres com turbantes de penas de arara" reforça estereótipos culturais e étnicos.
Em suma, o texto utiliza diversas estratégias de desonestidade intelectual para construir uma narrativa crítica e tendenciosa, omitindo fatos relevantes, utilizando linguagem emotiva e reforçando estereótipos.