O comandante do Exército e a 'espada sem partido'
'General! Vamos surpreendê-los com uma democracia?'
Há pelo menos 10 anos, desde que a família Bolsonaro abraçou e impulsionou um certo programa para fazer a educação no Brasil voltar aos tempos da catequese colonial, sabe-se que uma coisa dita “sem partido”, ou que “não tem partido”, é uma coisa só: cilada.
Dias atrás, em discurso pelo Dia do Soldado, o comandante do Exército Brasileiro, general Tomás Paiva, reverberou e assinou embaixo as seguintes palavras do patrono da Força Terrestre, o Duque de Caxias:
“Sua espada foi empunhada em prol de um único lado, o da pátria, pois, conforme o próprio declarou, minha espada não tem partido. Caxias ensinou-nos, ainda, que a força do Exército reside na fé, na coesão, na disciplina, na imparcialidade e no compromisso com o bem comum”.
Deixemos de lado, por hoje, o fato de que o Exército Brasileiro nunca, jamais associa a força da Força à Democracia, à República, ao Estado de Direito, palavras e expressões que parecem ser vistas na caserna como malditas, proibidas — tipo “com partido”.
Por hoje, vamos nos concentrar no currículo do general que afirma que “minha espada não tem partido”. Não o currículo oficial de subcomandante da Força de Paz no Haiti, comandante da Força de Pacificação nos Complexos da Penha e do Alemão, comandante militar do Sudeste, etc. Mas este aqui, “alternativo”:
Em 2014, o general Tomás Paiva era o comandante da Academia Militar das Agulhas Negras quando o então deputado Jair Bolsonaro lançou sua candidatura a presidente da República dentro da Aman, falando a centenas de cadetes, sendo saudado aos gritos de “mito!” e “líder!”, sem ser impedido de fazer discurso político dentro de organização militar: “vai morrer muita gente pelo caminho, mas em 2018 vamos virar este país para a direita”.
2018 chegou e em março daquele ano o general Tomás Paiva, novamente ao arrepio da norma militar e acreditando chutar cachorro morto, deu a seguinte declaração política à imprensa sobre o PT; sobre o PT ter mencionado, após a abertura do processo de impeachment contra Dilma, a necessidade de alterar o sistema de promoção das Forças Armadas e o currículo das escolas militares: “isso foi o maior erro estratégico do PT. Foi uma coisa burra”.
Logo depois, em abril de 2018, o general Tomás Paiva participou da entrada do Exército no lawfare contra Lula, para tirar Lula da eleição de 2018, sugerindo ao então comandante da Força, general Villas Bôas, o termo-chave da ameaça pública feita por Villas Bôas ao STF na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula: “repúdio à impunidade”. Na época, Tomás era chefe de gabinete de Villas Bôas; “oficial eleito por Villas Bôas, sua maior aposta para o futuro”.
No comando do Exército, o antigo chefe de gabinete de Villas Bôas já está com seu segundo chefe de gabinete no Forte Apache, os dois reciclados, reaproveitados, recuperados dos mais altos gabinetes da trama golpista de 2022. Um deles teve influência na nota “Às Instituições e ao Povo Brasileiro”, com a qual em novembro de 2022 as Forças Armadas ameaçaram com o “cumprimento das nobres missões de soldados brasileiros” as instituições que tentassem mandar para casa aqueles que pediam golpe na frente dos quartéis.
Em 2023, Tomás Paiva nomeou como oficial do seu gabinete o tenente-coronel André Luiz Cruz Correia, que tinha sido exonerado do GSI após a Polícia Federal descobrir, via celular de Mauro Cid, que Correia integrou um grupo de WhatsApp onde militares discutiam golpe de Estado em 2022. Correia ficou malocado no gabinete de Tomás Paiva até maio do ano passado, quando o general “sem partido” nomeou o golpista para comandar os mais de 800 militares do 4º Batalhão de Polícia do Exército, no Recife.
A imagem que ilustra este artigo, a de um general usando a espada — quem sabe o espadim de Caxias — para apontar um lápis — quem sabe o lápis com que se rascunhou algum ato institucional — é uma charge de Fortuna publicada no número 4, de julho de 1964, da revista Pif Paf, editada por Millôr Fernandes.
Naquele número da Pif Paf saiu também um abecedário do humorista Rossé Cavaca. Na letra “q”, de “quartelada”, dizia-se: “General! Vamos surpreendê-los com uma democracia?”. Pois é. Tinha acabado de estourar a “Revolução Democrática de 1964” e vigorava o AI-1, que autorizava o “Comando Supremo da Revolução” a ir atrás de quem tivesse “atentado contra o regime democrático”…
Que ninguém se engane, nem se surpreenda: no Brasil, onde o ensino e as promoções militares obedecem a critérios de “coesão” interna, não aos da República — e quem tentar mexer nisso fará “uma coisa burra” e será retaliado —; no Brasil, repetindo, general de Exército, quatro estrelas, tem partido, e não apenas no sentido de ter lado.
General no Brasil tem partido mesmo, partido político, embora não registrado no TSE: o Partido Militar.