'Mi general', o Véio, o inquisidor, o acordo e o artilheiro musical
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Nesta semana, no Come Ananás:
Na segunda, em “Soube o que aconteceu com o Pinochet?”, lembramos que no dia 19 de novembro de 2021, dia da eleição Gabriel Borić no Chile, Ariel Dorfman publicou um artigo no jornal argentino Página/12 dizendo que muito se falava da novidade representada por Borić, mas “a novidade desconcertante”, dizia, alertava, era a de que “um homem das cavernas de direita, que vai contra todos os avanços feitos pelo Chile desde a Independência, chega a ter a possibilidade de obter a maioria dos votos”.
O título do artigo de Dorfman era: “Se os mortos votassem...”
Mas os mortos não votam e em 2022, no Chile, veio a derrota da proposta progressista de uma nova Constituição para enterrar a de Pinochet, ponto de inflexão para a extrema direta catapultado por uma campanha de fake news da qual participou o mesmo “consultor político” argentino, Fernando Cerimedo, que ajudaria os Bolsonaro e o bolsonarismo militar a envenenar também o Brasil, contra as urnas eletrônicas, naquele mesmo ano, por um triz não resultando em golpe de Estado; em 2023, aniversário de 50 anos do golpe de Estado no Chile, do assassinato de Allende, veio a vitória da extrema direita na eleição para o Conselho Constitucional; e há uma semana, no último domingo, 14, veio a notícia nada alvissareira da vitória do homem das cavernas, José Antonio Kast, por ampla maioria dos votos, para ocupar o La Moneda a partir de 11 de março de 2026 e até 2030.
São estas as últimas notícias sobre o que aconteceu com o Pinochet. Não votam, os mortos. Só os vivos, posto que envenenados.
Na terça, em “O vento que derruba, mas não arrasa”, a partir da bela lufada que derrubou uma “estátua da liberdade” no Rio Grande do Sul, lembramos que nas lojas do Véio da Havan há réplicas da Estátua da Liberdade no lado de fora e, dentro, réplicas para as crianças, de brinquedo, do caminhão da Havan usado em bloqueio golpista de estrada em 2022; que apesar de tudo, o Véio escapou de ser indiciado na CPMI do 8 de Janeiro e no inquérito do golpe; que os indiciados no relatório da CPI da Pandemia, o Véio entre eles, jamais foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República; que ele, o Véio, ainda não caiu do pedestal, ao contrário: foi inaugurada semanas atrás uma estátua do Véio no Museu de Cera de Gramado.
Na quarta, em “Que Rei-Inquisidor sou eu?”, a partir da informação de que a Polícia Federal encontrou provas de que Sergio Moro, quando juiz em Curitiba, grampeou desembargadores do TRF-4, chamamos a atenção para o fato de que não há qualquer indicação de que Moro tenha mandado colher material, para fim de chantagem, contra aos revisores das suas sentenças na segunda instância, inclusive a condenação de Lula no caso do triplex.
Não há qualquer indicação, à exceção do chocante histórico, precedente, verdadeiro antecedente criminal agora comprovado, de que Moro tivesse nas mãos os três desembargadores do TRF-4 que em janeiro de 2018 confirmaram por unanimidade a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex e ainda foram mais realistas que o Rei-Inquisidor, aumentando a pena de Lula de nove para 12 anos de prisão.
“Três a zero na segunda instância via preenchimento do vazio de provas com ilações”, escreveu, na época, Jânio de Freitas.
Uma delas, uma das ilações, foi parar na capa d’O Globo como a epígrafe que foi possível ao lavajatismo midiático recolher, sem constrangimento, da condenação unânime de Lula no TRF-4, debaixo da foto do desembargador que proferiu a conversa de boteco em julgamento de segundo grau:
“Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado, alguma coisa errada ele fez”.
Na quinta, em “O acordo”, recorremos a Millôr Fernandes e sua fábula homônina publicada em 1964 para ilustrar a contribuição do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, para a anistia a Bolsonaro et caSerna passar no Congresso disfarçadinha de “dosimetria”.
“Não negociei mérito, negociei procedimento”, disse Jaques Wagner. “Esta história é do tempo em que os animais falavam. Percebe-se?”, anotou Millôr Fernandes sobre O acordo — não o acordo que o lobo solitário fez com o golpismo no Senado, mas sim a fábula na qual o caçador aprende da pior maneira que, diante das feras, pactuar procedimento dá na mesma que ceder no mérito.
Com vocês, Millôr:
O acordo
Vestido como caçador, o homem caçava. Estava metido no mais negro da floresta, e caçava. Mas não procurava qualquer caça, não. Procurava uma caça determinada, capaz de lhe dar uma pele que aquecesse suas noites hibernais. E procurava, procura que procura, eis senão quando, numa volta da floresta, depara nada mais nada menos que com um urso. Os dois se defrontam. O caçador apavorado com a selvageria do animal. O animal apavorado pela civilização — em forma de rifle — do caçador. Mas foi o urso quem falou primeiro.
— Que é que você está procurando?
— Eu — disse o caçador — procuro uma boa pele com a qual possa abrigar-me no inverno. E você?
— Eu — disse o urso — procuro algo que jantar, porque há três dias que não como.
E os dois se puseram a pensar. E foi de novo o urso quem falou primeiro: — Olha, caçador, vamos entrar na toca e conversar lá dentro que é melhor.
Entraram. E, dentro de meia hora, o urso tinha o seu almoço e, consequentemente, o caçador tinha o seu capote.
Na sexta, em “Sóstenes: deputado, pastor e artilheiro musical”, lembramos que Sóstenes Cavalcante foi o líder do sequestro do plenário da Câmara por mais de 100 deputados golpistas, em agosto, e que, mesmo com os sequestradores só falando em Moraes e anistia, não tardou para vir à tona que a motivação primeira do sequestro do plenário Ulysses Guimarães era impor na pauta da Câmara, na verdade, aquela que ficou conhecida como PEC da Blindagem ou da Bandidagem: a mudança do foro para julgar parlamentares — do STF para as comarcas regionais —, a fim de livrar-se, a bandidagem, dos inquéritos sobre a máfia das emendas parlamentares conduzidos pelo ministro Flavio Dino.
E que, independentemente do quase meio milhão de reais em espécie, emaçado e em saco preto encontrado com o deputado-pastor Sóstenes Cavalcante, o despacho de Flavio Dino autorizando a busca e apreensão diz que há “indícios robustos” de que o líder de partido golpista e do sequestro do plenário da Câmara em agosto seja o líder também, junto com Carlos Jordy, de um esquema de desvio de cota parlamentar.
“Comprovando-se o peculato, Sóstenes poderá, a exemplo do jogador que faz três gols, pedir música no Fantástico.”
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