O cometa 3I/ATLAS e a semana no Come Ananás
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Na última segunda-feira, 1º de dezembro, no artigo “O ‘marechal’ Augusto Heleno”, Come Ananás pegou carona na republicação pela Folha de S.Paulo de uma crônica escrita por Jânio de Freitas em 1981, uma das 105 crônicas selecionadas pela Folha para comemorar os 105 anos do jornal. No artigo de 44 anos atrás, Jânio registrou que o capitão do Exército Wilson Machado, que tentou explodir uma bomba no Riocentro para prolongar a ditadura, já passeava tranquilamente pelas ruas da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, seis meses depois da tentativa de atentado:
“Passeia livre e à vontade, capitão Wilson, por esta pracinha algo melancólica da Tijuca, e penetra mais nos subúrbios e visita a Zona Sul, passeia livre e à vontade para que possas ver, pela amostra carioca, esta gente generosa que trabalhará para sustentar-te. E que às vezes, para recompor-se, vai a lugares como o Riocentro para ouvir canções que falam de liberdade, de amor entre as pessoas e de outras coisas que desconheces porque só te ensinaram a ficar à espreita nos estacionamentos, a lidar com armas e bombas, a extrair a fogo respostas ou vidas. Indiferentemente”.
Pegamos carona no artigo do Jânio para registrar, por nossa vez, que um outro antigo habitante da Tijuca, o general Augusto Heleno, dificilmente voltará a passear tranquilamente, com ou sem Alzheimer, pelo largo tijucano da Segunda-Feira, onde em 1964 um jovem Heleno celebrou o golpe contra o presidente João Goulart, a quem o general golpista se refere como “cancro da política brasileira”.
E para registrar também que o antigo capitão Wilson Machado, ainda vivo e nunca punido, é hoje um coronel reformado que recebe aposentadoria militar no “posto de pagamento” de general de duas estrelas, cerca de R$ 30 mil brutos por mês. Já o ex-habitante do largo da Segunda-Feira foi condenado à prisão e isto é um avanço. Ele é general de quatro estrelas da reserva e custa à gente generosa que trabalha para sustentá-lo R$ 38 mil por mês em remuneração básica bruta, no “posto de pagamento” de marechal.
Na terça, no artigo “Chama-se Declaração de Indignidade para o Oficialato”, falamos sobre a condenação de um capitão da Marinha à perda da patente em julgamento realizado em novembro no Superior Tribunal Militar, após o oficial ser condenado na Justiça Comum a mais de quatro anos de prisão por peculato-furto.
“A condenação, superior a dois anos, levou o oficial a julgamento no STM para a perda de posto e patente, conforme previsto na Constituição Federal e no Código Penal Militar”, ressaltou o STM ao informar em seu site sobre a perda de patente do capitão-de-corveta.
O capitão da Marinha desviou 118 mil litros de óleo diesel de uma corveta atracada na Base Naval do Rio de Janeiro. Os cinco militares golpistas — quatro do Exército, três deles generais, e um almirante de esquadra — que começaram a cumprir penas na semana retrasada cometeram indignidade 118 mil vezes pior: tentaram desviar o Brasil, de novo, para a exceção.
Bolsonaro, Heleno, Braga Netto, Paulo Sergio e Garnier têm encontros marcados com o STM em 2026, e o STM com a democracia.
Na quarta-feira, em “A PEC da Segurança Pública e os recordes de feminicídios do Brasil”, lembramos que semanas atrás o presidente da Comissão Especial da PEC, deputado Aluísio Mendes, andou dizendo à imprensa que ele e o deputado Mendonça Filho, relator da matéria, tiveram a ideia de propor a tipificação de crimes “super-hediondos”, dando o seguinte exemplo: “casos de feminicídio quando se mata a mãe na frente do filho”.
O feminicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos em 2015, mas os casos de feminicídio no Brasil seguem batendo recordes, 10 anos depois — e depois de Jair Bolsonaro cortar 90% da verba para enfrentamento da violência contra a mulher ao longo do seu desgoverno, e após a farra armamentista promovida por Bolsonaro resultar num aumento de 1.200% das ocorrências envolvendo CACs em casos de Lei Maria da Penha.
De modo que quem está encarregado de propor alterações na Constituição brasileira para tentar diminuir a violência no país e aparece falando em crimes “super-hediondos”, não quer mudar nada, não quer reduzir a violência no meio social; quer apenas atualizar as definições de jogar para a plateia.
De modo que talvez Aluísio Mendes e Mendonça Filho tenham tido ideias de última hora, diante dos últimos acontecimentos, para incluírem no relatório da PEC da Segurança Pública, que deve ser apresentado nesta semana que se inicia.
“Quem sabe — especulamos no artigo — irão propor crime ‘mega-hediondo’ para ex-namorado que atropelar e esfolar a ex-namorada no asfalto, arrastando-a por um quilômetro agarrada no carro, fingindo crer mesmo, no duro, o legislador, que cálculos sobre tempo e progressão de pena na hora ‘passional’ falarão mais alto ao feminicida do que o veneno misógino a ele destilado nos últimos anos, dia após dia, pela extrema-direita inimiga das ‘feminazis’.”
“Talvez o relatório da PEC da Segurança Pública saia do forno das oligarquias do Nordeste com a tipificação do crime ‘híper-ultra-maxi-hediondo’ para quem cometer duplo homicídio de mulheres em Centro Federal de Educação Tecnológica, ignorando solenemente, o legislador — e jogando dois corpos femininos para a plateia —, que o CAC matou no Cefet e, ato contínuo, meteu uma bala na própria cabeça envenenada com as piores ideias da história da humanidade, como não admitir ser chefiado por quem não tem, no meio das pernas, um pau.”
Na sexta, em “Blindar-se contra o golpismo: não pode?”, falamos sobre a liminar de Gilmar Mendes que protege o STF das movimentações do fascismo à brasileira para repetir no Brasil o que a internacional fascista já conseguiu fazer na Hungria e na Polônia, ou seja, pôr a Justiça prostrada. A mídia, porém, surtou, dizendo que “blindagem por canetada de Gilmar é golpe na democracia” e “Gilmar Mendes implode sistema de freios e contrapesos”.
Blindar-se contra o golpismo: não pode? Segundo a mídia corporativa, não. O que pode é o fascismo tomar o Senado da República via emendas Pix, deep fakes de IA, via chacinas, nas eleições de 2026, para depois pôr o Supremo de joelhos.
Neste sábado, em “O candidato e o cometa”, lembramos de uma matéria publicada em abril de 2020 pelo Intercept Brasil sob o título “Pica do tamanho de um cometa”, alusão a uma frase dita por Fabrício Queiroz em um áudio divulgado pela imprensa em 2019: “o MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”. Investigadores ouvidos pelo Intercept acreditavam que Queiroz sabia e se referia a uma investigação sigilosa do Ministério Publico do Rio de Janeiro sobre o suposto envolvimento de Flavio Bolsonaro em nada menos que isso aqui: um esquema miliciano de construção ilegal de prédios em comunidades da zona oeste carioca financiado com dinheiro de rachadinha.
“O papel de ‘investidor’ nas construções da milícia ajudaria a explicar a evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro, que teve um salto entre os anos de 2015 e 2017 com a aquisição de dois apartamentos: um no bairro de Laranjeiras e outro em Copacabana, ambos na zona sul do Rio. Os investimentos também permitiram a compra de participação societária numa franquia da loja de chocolates Kopenhagen”, diz a matéria do Intercept Brasil publicada quase seis anos atrás.
Os Bolsonaro conseguiram, até agora, estancar as investigações do poder público sobre o rachid mais famoso da Via Láctea — o de Flavio na Alerj. Ao longo desses anos, a imprensa “de referência” nunca pareceu interessada em pegar carona nessa cauda de cometa, em puxar esse fio. Quem sabe agora, com o “investidor” querendo investir em nada menos que o Palácio do Planalto, ainda que apenas para arranjar moeda de troca por anistia para seu pai.
A propósito, o cometa 3I/ATLAS chegará o mais próximo da Terra no dia 19 de dezembro. O cometa tem até 5,6 quilômetros de diâmetro de núcleo, sendo o maior objeto interestelar já observado — até agora.
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